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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

PMs torturavam supostos traficantes com choques elétricos




Sessões de tortura que duravam até três horas com direito a choques elétricos, sufocamentos com sacos plásticos e espancamentos das mais diferentes formas. Violências que remetem aos períodos de recessão eram praticadas pelo grupo de extermínio. A ditadura do medo imposta pelo bando no município, entretanto, tinha como seus “subversivos” os suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas na região e seus familiares.
Hygor Câmara Tavares, 29 anos
Os alvos eram escolhidos por uma espécie de Serviço de Inteligência do grupo paramilitar, constituído por uma rede de informantes, os populares X9, que atuavam nas comunidades com a finalidade de identificar possíveis vítimas. Eles se infiltravam entre os criminosos e chegavam a integrar o tráfico de drogas como forma de obter informações privilegiadas.
Wanderson Silva Tavares, o Gordinho ou Tenente, 34 anos
O objetivo de poder desse Estado paralelo, contudo, não era político, mas especificamente financeiro: seqüestrar, extorquir e executar os alvos. Os crimes teriam rendido mais de R$ 2 milhões ao bando nos últimos dois anos.
Abdias Cruz da Silva, o Buca, 38 anos
O jornalista Gustavo Carvalho teve acesso, com exclusividade, às interceptações telefônicas – autorizadas pela Justiça – que culminaram na desarticulação da quadrilha armada com a prisão de cinco PMs, em setembro desse ano.
As gravações, ocorridas no dia 13 de agosto, narram o martírio de Dyego Virtuoso, o Bodinho, de 26 anos. Seqüestrado em sua residência no Complexo do Salgueiro, ele foi encontrado morto com marcas de tiros no início da manhã do dia seguinte, na Rua Doutor Manoel Duarte, no bairro Gradim. Os diálogos travados entre o cabo Alexsandro Horffmam Lopes – responsável pelo recrutamento de colegas de farda para as ações criminosas – e Wanderson Silva Tavares, o Gordinho ou Tenente, 34, apontado como o chefe do bando e o único ainda foragido, com uma informante mostram as articulações do grupo de extermínio para chegar ao suspeito de envolvimento com o tráfico no Salgueiro.
Antônio Hilário Ferreira, o Rabicó, 45 anos
A expectativa era de que o seqüestro de Bodinho, previamente escolhido sob a suspeita de ser tesoureiro das bocas de fumo de Antônio Hilário Ferreira, o Rabicó, 45, rendesse R$ 15 mil ao bando. Entretanto, após de mais de três horas de tortura, as negociações com a família chegaram ao fim sem que o resgate fosse pago. O áudio da tortura a qual Bodinho foi submetido chocou até os policiais da 72ª DP (Mutuá).
Eles chegaram realizar buscas, mas não conseguiram encontrar o local onde ela era praticada. Para a surpresa dos agentes, a tortura das vítimas ocorria na casa de Gordinho, no Boassu, que não se intimidava com a presença dos dois enteados e da mulher na residência para praticá-la.
No final, após o desfecho frustrado, Lopes lamenta que o “serviço” o fez gastar apenas dinheiro, gasolina e munição. Irônico, Gordinho comenta que Bodinho fez curso com o Rambo para agüentar as mais de três horas no aparelho de choque. Além dos dois, participaram no seqüestro e morte de Bodinho os cabos Christian Brito Guimarães e Alecsandre Nazareth Baiense.
Nomes e funções dos integrantes do grupo de extermínio
Wanderson Silva Tavares, o Gordinho ou Tenente – apontado como o líder do bando e o principal articulador das ações da quadrilha, além de ser o responsável por dividir o dinheiro arrecadado com as mortes. (FORAGIDO)
Cabo Alexsandro Horffmam Lopes, lotado no 12º BPM (Niterói)
Cabo Alexsandro Horffmam Lopes – Lotado no 12º BPM (Niterói), o PM recrutava colegas de farda para participarem dos seqüestros, extorsões e assassinatos. (PRESO)
Cabo Christian Brito Guimarães, lotado no 12º BPM (Niterói)
Abdias Cruz da Silva, o Buca, 38 – Apontado como responsável pela lavagem de dinheiro da quadrilha. (PRESO)
Cabo Alecsandre Nazareth Baiense, lotado no 12º BPM (Niterói)
Cabos Christian Brito Guimarães e Alecsandre Nazareth Baiense, ambos lotados no 12º BPM, soldado Rogério Acácio Ferreira, lotado no 7º BPM (São Gonçalo), além do cabo Fábio Gomes do Couto, do Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas (BPtur) e Hygor Câmara Tavares – Atuavam como braço armado do bando (TODOS PRESOS)
Soldado Rogério Acácio Ferreira, lotado no 7º BPM (São Gonçalo)
Bodinho é capturado no dia 13 de agosto às 21h57min (Início da tortura)
Lopes: Você tá dado, maluco. O meu X9 (informante) é vapor. O meu X é vapor. Dá o papo logo. E aí, qual vai ser do desenrolo?
Bodinho (ao fundo): Por favor, senhor, não faz isso comigo não, por favor. Você acha que se eu fosse gerente do tráfico eu ia tá morando ali, naquele lugar. O senhor acha? (gritos de dor devido aos choques elétricos).
Lopes: Acho. Pra dichavar, tu cai ali.
Bodinho: Jamais, jamais (gritos de dor).
Lopes: Alô. Tá ouvindo? Daqui a pouco te ligo de novo.
Bodinho: Por favor, não faz isso comigo não.
Gordinho: Fala a verdade (…), fala a verdade.
Madrugada do dia 14 de agosto, 1h17min. (Continuação da tortura)
Gordinho: Fala aí, Xuxa (X9)!
X9: E aí?
Gordinho: E aí nada. O cara (Bodinho) fala que não é ele, que não é ele. O cara já está em três horas de tortura. Já gastamos o aparelho de choque todinho nele e ele está negando até o fim.
X9: Não é possível (…). Vocês conversaram com a mãe, com a mulher dele?
Gordinho: A mãe dele falou que desceu só pra ver o negócio porque ele tava preso. Pra poder agitar o documento. A mulher dele trabalha em confecção e ele fala que não é ele. Que saiu dessa vida, que parou (…)
X9: É mentira!
Gordinho: E qual o comentário aí?
X9: Só tá o comentário que ele rodou (…) Só isso…
Gordinho: Tá, mas o pessoal da boca não tá falando nada não?
X9: Só comentam que ele rodou.
Gordinho: Você não tem o telefone de ninguém da boca para fazer o contato?
X9: Não. Telefone eu não tenho não. Lá de cima, nada.
Gordinho: É que a gente liga para o cara e fala que foi ele que deu. Mandaram te ligar aí, meu irmão, a situação é essa, essa e essa (…). Ele quer que ligue para a mãe e para a mulher dele, mas você sabe se envolver família vai dar pica de novo, né?
X9: Mas é mais fácil ligar pra mãe ou pra mulher dele para elas avisarem
Gordinho: Tá. Fala com Negão (Lopes) aqui.
Lopes: Fala aí.
X9: É mais fácil ligar pra mulher dele para ela ir lá em cima desenrolar. A mulher dele que tem que desenrolar. O comentário que tá aqui é que ele rodou, mas quem vai lá desenrolar? Tem que ir alguém…
Lopes: Daqui a pouco eu te ligo pra ver qual é.
X9: Tá bom.
Manhã do dia 14 de agosto, 12h14min (Bodinho é encontrado morto e Lopes lamenta plano frustrado)
Lopes: Acordei agora. Nada! Você teve aquela idéia de acionar a mulher dele, mas cadê? Devem ter saído para procurar. Ficamos até três da manhã ligando pra casa dele, chamava e ninguém atendia. Voltar lá não tinha como. Você foi na firma (na boca de fumo) e nada também. Gastamos tempo, gasolina, dinheiro e munição. Só!
X9: E pra piorar na madrugada segurei maior p. Meu filho tá na maior m. Minha mãe levou ele para o hospital, sem nenhum centavo. Eu rezando pra você me ligar pra dizer que rendeu R$ 50 mil.
Lopes: Tinha sete reais e um isqueiro verde no bolso de Maria (Bodinho). PQP. É tralha, mas eu acho que tinha perdido a condição mesmo.
Tarde do dia 14 de agosto, 13h27. (Gordinho ironiza o fato de Bodinho ter suportado a tortura durante três horas)
Gordinho: Aí, Negão. Não tem aquele amigo que trabalhava na casinha lá dentro? Falou que o moleque (Bodinho) tinha o dinheiro pra perder e valia uns R$ 15 mil, cara. Ele era tudo aquilo mesmo que o X9 falou. O cara confirmou aqui sem saber de nada e falou que tinha pra perder. Acho que esse moleque fez curso com o Rambo. Aquele Moleque ia ser guerrilheiro, só pode (…).
Lopes: O moleque me convenceu, compadre. No início, tudo bem. Mas não é possível alguém agüentar aquilo tudo não. Um merdinha daquele? Agüentar três horas de tortura direto. Não agüenta isso não, velho. Muita coisa pra ele bancar.

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