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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

“CONVERSANDO COM OS MORTOS”

Carlos Pompeu
Dona Maria era vidente. Ela conversava com os mortos. Para alguns
escrevia algumas mensagens que seriam encaminhadas aos entes que ainda se encontravam encarnados. Dicas de saúde e coisa do gênero na maioria das vezes. Isso é o que podemos chamar de serviços de psicografia.
Na verdade, o serviço consistia em redigir  o que era ditado , no
canto do ouvido, pelo espírito desencarnado. Ela não gostava de
comentar. Mas os seus colaboradores, podemos chamá-los assim, são basicamente almas penadas. Eram três.
Maria dos Prazeres, este era seu nome de batizo, era uma profissional bastante conceituada no segmento negócios do além. Suas mensagens psicografadas já até foram utilizadas como prova em um tribunal.
Casos de homicídio. Inclusive, o suposto réu foi absolvido. Jocivânio Stuart, um grande empreiteiro, havia sido inocentado da morte de Esmeralda Gutierrez, uma dançarina  de boate e atriz de filmes pornô.
Segunda a carta redigida pela vidente, a jovem Esmeralda, alegava
estar arrependida por ter causado a própria morte.  E por isso
utilizava aquele veículo para pedir desculpas para o ex-amante. Ela
ainda disse que inventou uma gravidez  e que por causa desta mentira trouxe muitos aborrecimentos ao homem que estava sendo acusado de ser seu assassino.
Oficialmente, ficou comprovado, que a senhorita
Gutierrez havia se suicidado com veneno de rato.
Ela havia comido alguns bombons que continham a substância que a levou ao óbito. Aliás, foi o senhor Stuart que a presenteara com uma caixa de bombons finos.
Segundo sua palavras era para celebrar uma nova fase
na conturbada relação dos dois. Enfim, toda a defesa foi feita em cima do fato dela ter se suicidado  e não que foi envenenada  pelo
ex-amante. A vidente também atendia por cartão de crédito. Aceitava vale refeição também.
Alugava uma sala em um prédio comercial. Então, do nada, surge
na sua frente um motoboy. Ela arregalou os olhos. Estava acostumada com os espíritos, mas conteve-se para não expressar o susto que tomou quando viu Jacks Ney. A pronúncia do seu nome era Jaquisnei. Aliás, o rapaz estava desorientado. Tinha acabado de receber a notícia que havia sido reprovado no exame psicoténico. Ou seja, isso era péssimo. Ainda mais porque era um motoboy.
Dona  Maria não possuía a vidência que poderia ser descrita como a
presença de alguém desencarnado que aparecia para outra pessoa ainda encarnada. O seu caso específico tinha a ver com encosto. Eles, os três, ficavam na ante sala de seu consultório. Eram almas penadas que, por algum motivo, ainda estavam em débito com questões mundanas.
Por isso, emitiam informações que Dona Maria passava aos seus clientes. Segundo a interpretação religiosa, isso, o encosto, tratava-se  de um fenômeno maligno. Quando ainda eram vivos, os espíritos dos mortos, eram conhecidos como Brito, Tavares e Loyola.
Tinham algo em comum. Todos frequentavam o Batetê. Uma conhecida casa de encontros. Era conhecida por ter as paredes pintadas de vermelho. Enfim, era um puteiro, de alta classe, onde também havia jogatina.
O motoboy estava preocupado com o seu futuro. O pessoal do RH não iria gostar de saber que ele não tinha habilitação. Então, entrou em uma sala e se deparou com três velas acesas. Foi entrando e logo viu dona Maria. Ela estava com um cigarro no canto da boca e com cara de poucos amigos.
Pois não? Ela disse. Desculpe, foi enganou. Ele respondeu. Ela
foi amável:
_ que isso meu querido? Seja bem vindo. Vamos fazer uma consulta,
posso resolver os seus problemas.
Só que ele pensava que ainda estava no departamento de trânsito. A
repartição funcionava  em um prédio comercial. Ele ainda não havia desconfiado que havia entrado na sala errada.
Maria dos Prazeres não apresentava sintomas de Transtorno de
Identidade Dissociativa como alguns psiquiatras gostavam de tratar
pessoas que tinham a capacidade denominada de mediunidade.
Entretanto, este canal de comunicação com seres chamados espíritos também poderia ser encarado como um fenômeno fisiológico comum a qualquer pessoa, mas que se manifestava de maneiras diferentes em cada indivíduo. Independente da intensidade com que eram estabelecida esta interação.
Normalmente, quando um espírito desencarnado quer se comunicar, diretamente do mundo do além, com alguém, que ainda está vivo, utiliza-se da mente de um médium. Maria dos Prazeres realmente tinha, além da psicografia, a psicofania, conversava e ainda tinha a vidência , pois podia vê-los.
Mas apenas aquelas três almas penadas específicas que ficavam na ante sala do seu consultório espiritual. Ela tinha acesso ao pensamento alheio. No caso, aquele derivado dos espíritos de Brito, Tavares e Loyola, seus respectivos nomes.
Maria dos Prazeres havia sido criada como católica. Sua mãe era devota de Santo Antônio de Pádua. Mas , quando jovem, aliás linda e com um  corpo cheio de curvas que poderiam definí-la como uma garota sensual.
Devido à isso, o perfume da flor da juventude, deixou-se seduzir pela ilusão. Ela tinha muito apego às coisas materiais. A ostentação era uma tentação da qual não resistia. Tão pouco tinha interesse em
resistir. Logo, a ambição tomou conta de seu coração que escureceu sua alma e assim cedeu espaço  e, para saciar essa vontade, se tornou a morada da luxúria.
Um dia , possivelmente em um sonho, uma entidade perversa lhe ofereceu como presente a realização de todos os desejos da carne. Embriagada pela volúpia ela cedeu aos encantos  e ao falso brilho das aparências. E assim se transformou, no que se convencionou chamar de, dama da noite.
Então, passou a receber homens com caráter duvidoso. Era como um ímã. Exercia uma forte atração por este tipo. Todos eram casados e seguiam uma religião. Dois cristãos, sendo um evangélico e outro seguidor da maçonaria. Mas, ao mesmo tempo, também acendiam uma vela para o rival de Deus.
A maldade que havia neles não estava no fato de frequentarem
prostíbulos. Talvez isto fosse uma questão cultural. Mas residia na
conduta de praticar desde a corrupção, como agentes públicos, até
atentados à própria vida dos seus semelhantes. Enfim, os três agiam
sob a influência de kiumbas.
Mas uma história sempre permite ser observada por um outro ângulo. Isto porque o mesmo enredo pode ser visto de maneira diferente por outros olhos. Afinal, não somos donos da verdade,  devemos ser tolerantes, e acima de tudo, respeitar o nosso próximo. Além disso, nunca podemos buscar o mal e suas variantes, e são tantas, mas sempre deveríamos procurar ouvir nosso coração que pode, pela sua própria natureza, cultivar o que há de bom dentro de nós.
Por isso, podemos afirmar que Mônica Belmonte era o que poderíamos chamar de alguém idealista. Apesar das atrocidades do mundo, Mônica, ainda acreditava na justiça e que sua ação, tanto profissional como quanto cidadã, poderia contribuir para uma vida melhor  para sua comunidade. Ela havia atuado no caso de Esmeralda Gutierrez. A promotora não aceitava o veredicto que havia sido dado. Como que, em sã consciência, que Jovânio Stuart poderia ser considerado inocente?
Além do mais, a defesa havia sido muito cara de pau ao utilizar, perante o juíz, uma mensagem psicografada. Ainda mais , da forma que foi, colocando a culpa na vítima. Isso só aumentava a desumanidade do crime, sem mencionar que a vítima estava grávida. Enfim, aquela carta creditada à Esmeralda nunca poderia ter sido aceita como uma prova judicial.
De acordo com a lei , de qualquer tribunal, a morte extinguia a personalidade humana. Por isso, o testemunho de um espírito nãopoderia gerar um documento legal. Após o julgamento, o arrogante e poderoso senhor Stuart ainda olhou de soslaio para Mônica e sorriu zombeteiro.
Apesar de discordar do teor da sentença, Mônica Belmonte, não
amaldiçoou ninguém. Seguiu firme com sua filosofia de vida. No
entanto, nada acontece ao acaso. Independente da questão tempo e
espaço. Jacks Ney era um indivíduo que tinha sua mediunidade
descontrolada. Diante da vidente , sentiu um frio na espinha, e sem
mais nem menos saiu apressado do ambiente.
O semblante do seu rosto demonstrava que estava transtornado. Pegou sua moto e saiu acelerado. Não percebeu um homem super alinhado, cabelos escovados e barbeado, trajado de terno e com uma gravata italiana que  o destacava entre os demais surgiu na sua rota desgovernada. Passou por cima. Logo após o incidente, o desalmado Jocivânio Stuart adentrava no consultório espiritual e pode reconhecer três conhecidos. Ao mesmo tempo, a vidente acendia mais uma vela.

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