Páginas

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Por que você deve ser contra a pena de morte

Autor: Eli Vieira
Antes de atacar a pena de morte, é bom esclarecer que sou um ateu agnóstico e estou de acordo com os princípios gerais do Humanismo Secular (o que não é obrigatório para nenhum ateu ou agnóstico).
Acredito nos direitos humanos, e acredito nas vertentes revolucionárias que inspiraram sua afirmação universal na França, que beberam de fontes como Voltaire, Montaigne e Diderot, cujos princípios éticos foram ecoados também por Jeremy Bentham e John Stuart Mill.
Se você não conhece o Humanismo Secular, comece lendo isto e isto.
Já discuti com amigos ateus que defendem a pena de morte. Em geral é pensado que a pena de morte serve para intimidar os crimes, ou para punir de forma satisfatória crimes hediondos. Mas nenhum desses ideais é cumprido pela pena capital.
Começo atacando a segunda ideia: a pena de morte não pune satisfatoriamente. Se você é um ateu naturalista (materialista), não acredita em vida após a morte. Como dizia Epicuro de Samos, a morte é apenas privação eterna de sensibilidade, aniquilação da mente. Ou seja, se por um lado um morto não tem prazer em estar morto, também não sofre.
Então, não sejamos hipócritas: a punição criminal decorre diretamente do nosso instinto de vingança, de justiça em termos “econômicos” – pagamenos de acordo com investimentos.
Ilustremos com o caso do assassinato da menina Isabela Nardoni feito por seu pai e sua madrasta (não posso garantir a procedência da informação, mas vamos assumir que eles foram os culpados). De que forma a execução desses dois criminosos poderia ser uma forma de fazê-los pagar pelo crime, quando a morte extinguirá a memória que eles têm de tê-lo feito, extinguirá sua consciência, sua mente, sem acarretar mais que alguns momentos de desconforto antes da morte?
Punições de verdade precisariam ser efetuadas sobre as mentes conscientes deles. Exatamente por esse motivo a punição de pessoas com insanidade mental é totalmente diferente da punição de pessoas sãs (legalmente sãs).
Existem então duas formas principais de punir: incidir injúria física ou privá-los da liberdade. Eu sou contra a injúria física, mas essa seria outra discussão sobre ética.
Vejamos a primeira afirmação, a crença de que a pena de morte inibe a criminalidade. Essa crença não tem sustentação, e quem diz é a literatura científica na área. Estados que adotam a pena de morte nos EUA não observam uma redução da criminalidade.
Em 1999, por exemplo, Jon Sorensen publicou um artigo científico sobre o estado do Texas.
Eis a conclusão de Sorensen:
“Dentro de um contexto tão idealmente adequado para encontrar quais efeitos de inibição [da criminalidade pela pena de morte], este estudo confirmou o resultado de estudos anteriores que falharam em encontrar qualquer evidência de inibição resultante da pena capital.”
Outros estudos feitos em 1974 que diziam o contrário foram refutados por terem métodos fracos.
Então minha afirmação está amparada na literatura da pesquisa científica no direito penal: não há evidência de que a aplicação da pena de morte inibe a criminalidade. Não é de se esperar que isso aconteça, até porque, intuitivamente pode-se pensar que o criminoso mais comum não considera racionalmente a possível punição de seu crime, especialmente em crimes passionais ou motivados por arroubos emocionais semelhantes.
Por último, e mais importante, é o fator da má aplicação da pena capital. E isso eu justificarei com a História.
O mesmo evento histórico que fez surgir os direitos humanos, curiosamente, foi quando foi inventada a guilhotina para punições políticas.
Na Revolução Francesa muitos dos defensores da pena de morte acabaram por provar de seu próprio veneno. O maior exemplo é Robespierre, um inflamado jacobino que não perdia a oportunidade de advogar que as cabeças rolassem. A cabeça dele próprio acabou rolando depois. Apenas frouxidão legal na aplicação de uma pena que em outras circunstâncias é justa?
Duvido. Na minha opinião não há base legal que garanta que a aplicação da pena de morte seja sempre justa (ou seja, é aplicada de acordo com sua previsão sobre pessoas que cometeram de fato os crimes que são acusadas de ter cometido). Aliás não há base legal nem trâmites jurídicos que garantam 100% de justiça na aplicação de qualquer pena.
Muitas pessoas inocentes passaram anos na prisão por conta de erros humanos que são previsíveis. Isso é mera questão de probabilidade, o que se faz é tentar diminuir esta probabilidade ao máximo.
Mas em geral, a aplicação de penas de restrição ou eliminação da liberdade é reversível. Enquanto isso, a pena capital é irreversível. Rolou também a cabeça do cientista Lavoisier no regime revolucionário da França. Não tinha mais volta, mataram um dos químicos mais brilhantes da Humanidade por motivos políticos (porque ele fazia parte de um sistema injusto de cobrança de impostos, mas não havia evidência de que ele fosse individualmente corrupto).
Se é uma questão de probabilidade (e de tempo) até que uma pena seja aplicada injustamente, vale a pena trocar uma só vida valiosa pela extinção de várias vidas indesejáveis?
Como disse antes, sou humanista secular, não posso aceitar isso, e os motivos, como expostos, não são dogmáticos, mas de consideração sobre o que a pena de morte significa frente a estes valores.
É melhor errar por excesso de misericórdia (deixando alguns criminosos passarem por inocentes) do que errar por excesso de zelo punitivo (condenando inocentes). Especialmente quando o assunto é uma pena irreversível como a pena de morte.
Então, se você vê a vida de um organismo humano tal como a ciência a revela – um equilíbrio dinâmico da matéria que atingiu capacidades mentais notáveis através de bilhões de anos de evolução biológica, que fazem deste organismo algo mais raro no Universo que as pedras preciosas – você não deveria se sentir bem apoiando um tipo de penalidade que diminui a SUA importância (sim, a importância de você como um indivíduo, e a importância de outros indivíduos como você) frente a banalidades como os caminhos tortuosos da história, da economia e da trajetória individual que levam ao crime.
Muito bom texto. Atacou pontos exatos da questão. Também sou contra a pena de morte, bem como qualquer tipo de injúria corporal ao preso.
.
Apenas uma consideração: o que fazer com aqueles criminosos em série que mais cedo ou mais tarde serão libertados pela justiça e voltarão a matar? Falo não dos que receberam medidas de segurança por possuírem problemas mentais, mas os que, de fato, serão soltos e representam um grau de periculosidade alto. Estamos com um caso de serial killer em Belo Horizonte agora e fico me perguntando qual seria o melhor caminho para lidar com um sujeito deste naipe.
Reafirmo o que disse em meu comentário anterior. Não acho que a pena de morte deva ser aplicada em nenhum caso, nenhum mesmo!
O fato de nosso sistema penitenciário não cumprir a função para a qual ele deveria existir, qual seja, a recuperação do dito criminoso e sua reinserção na sociedade, nos casos em que seja possível, não justifica a adoção pelo Estado da lógica “olho por olho, dente por dente”.
Declarações como “bandido bom é bandito morto”, ou “menos um bandido na rua”, ou “comem e dormem às nossas custas”, ou “melhor matar do que jogá-los em masmorras”, etc, não constituem argumentos válidos em uma sociedade que pretenda ser civilizada.
Em casos específicos, como os psicopatas sabidamente irrecuperáveis, concordo com a opinião do Pedro Paulo Neto (comentário acima), seria sim o caso de se estudar a possibilidade de prisão perpétua aliada a trabalhos q retornem em algum bem para a sociedade. Mas isso tb ficaria na dependência de termos um sistema prisional realmente resolutivo.
Algumas extensões desse tipo de debate:
http://alexrnbr.wordpress.com/2009/08/09/reforma-ou-revolucao-antiprisional/
http://alexrnbr.wordpress.com/2009/08/16/todos-merecem-outras-chances/
http://antiprisional.blogspot.com/
Volto a pergunta do meu comentário anterior: “será que um apologista da pena de morte defenderia essa punição se o criminoso fosse o próprio irmão, ou o pai, ou a mãe?”
Sei que minhas idéias vão contra o humanismo secular e contra as idéias deste blog. Desculpem
http://xr.pro.br/Ensaios/DireitosHumanos.html
http://xr.pro.br/Ensaios/HUMANISMO.html
http://xr.pro.br/Ensaios/Legitimo_Ataque.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário