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terça-feira, 15 de março de 2011

Você já atirou um pau no gato?

Desde que li que Monteiro Lobato seria proibido na rede pública de ensino por causa do Saci eu estou querendo escrever sobre isso. E agora decidi colocar a mão na massa porque o politicamente/exageradamente/ridiculamente correto entrou na minha casa!

Ontem peguei meus filhos na escola e eles começaram a cantar a seguinte música:

"Não atire o pau no gato-to
Porque isso-sso
Não se faz-faz-faz
O gatinho-nho
É nosso amigo-go
Não podemos, não podemos maltratar os animais"

WHATAHELL????? Quase bati o carro.

Por quê??? Alguém me explica por que fizeram isso??? Meus filhos falaram que gostam mais dessa versão, porque "tem que cuidar dos bichinhos..."

Quer dizer que a situação de violência e guerra que existe hoje no planeta é consequência de 3 gerações jogando tocos de madeira em gatos enquanto a Senhora Chica assistia adimirada?

Será que não estamos perdendo totalmente a noção do limite?

Eu vou ser muito sincera: eu só fui prestar atenção e entender a letra da música depois de grande. Por muitos anos eu cantava: "Dona Chica-ca dimirrôcêcê do berrô do berrô" O que significava dimirrôcecê e berrô eu não fazia a menor idéia. Mas como disse a @DanieleBt "eu achava que era nonsense mesmo"

Mas agora não...  Ninguém mais pode jogar pau no gato, nem morar em casinhas infestadas de cupim, o amor do "tumitinhas" não pode mais acabar, não podemos dar boas palmadas em Samba Lelê e o Boi não tem mais a cara preta e nasceu no Piaui... Tudo isso está banido das cantigas infantis.

Nem o Cravo e a Rosa podem mais discutir a relação. Mas podem se auto-medicar... Vejam a nova versão enviada pela @gdalpra:
O cravo ficou doente
A rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio
A rosa pôs-se a chorar
A rosa deu um remédio
O cravo logo sarou
O cravo foi levantado
A rosa o abraçou

Mas as músicas infantis não foram o único alvo dos super-hiper-ultra-mega-master-blaster politicamente corretos. Também sofreram modificações as madrastas, o lobo mau e o saci.

Agora existem versões da Cinderella aonde a madrasta não a trata mal e elas saem juntas para badalar. Já o Lobo Mau não engole mais a vovozinha, mas pode tomar Coca-Cola no livro "Chapeuzinho Vermelho - Uma aventura borbulhante" e o pobre Saci perdeu seu cachimbo, porque segundo eu li em algumas entrevistas, isso pode incentivar as crianças a fumarem Crack. Sim, é isso mesmo que vocês ouviram. Não é uma medida anti-tabagista-babaca, é pior. No Tropa de Elite 3 Capitão Nascimento vai enfrentar o verdadeiro responsável por essa geração drogada que povoa as ruas brasileiras: O Saci!

Qual vai ser o próximo passo? Colocar uma camiseta nele em nome da moral e dos bons costumes e uma prótese de titânio na perna?

Ontem a noite, discutindo esse assunto no Twitter a @analeticiajf levantou um bom ponto: "Você não acha que desde a criação dos contos houve inúmeras alterações e adaptações de acordo com cada época?"

Já tinha ouvido falar isso, mas não sabia muito. Então fui perguntar pro Tio Google. Li muitas reportagens e até uma tese a respeito (sim, eu faço lição de casa para postar rs) Aparentemente, me corrijam se eu estiver enganada, os contos foram escritos originalmente para entreter à corte, e não como histórias infantis. As maiores adaptações que tivemos nelas foi tirar o teor sexual que permeava as relações. Cheguei a ler inclusive uma ótima análise que dizia que quando o Lobo Mau comia a avó e a neta, não se tratava de uma orgia gastronômica, por assim dizer.

Mas fui perguntar para minha mãe, como eram as histórias na sua infância, e foram as mesmas que eu ouvi. Mesmo os desenhos das princesas da Disney, foram todos produzidos em meados do século passado. Muita coisa da Branca de Neve, por exemplo não passaria pelo AI-5 do politicamente correto de hoje. Estava vendo um DVD da Disney com meus filhos outro dia e o comentário do meu pai foi justamente esse: "Que absurdo, isso jamais teria sido aprovado agora." Era um DVD dos 3 porquinhos da Disney, alguém conhece?

Aliás, por falar neles, vale uma curiosidade que li na minha pesquisa: Essa história foi modificada na Inglaterra, porque denegria a imagem dos construtores e pedreiros, comparando eles a porcos! Oi?! Pelo menos a imbecilidade não é exclusiva dos brasileiros.

O que mais me preocupa dessa história toda é que estamos caminhando para a formação de uma geração que, na minha opinião, está perdendo a chance de criar seu próprio senso crítico. O politicamente correto exagerado está deixando as pessoas idiotas! Estamos emburrecendo as crianças, simplesmente por julgar que elas não são capazes de discernir o certo do errado. Eu não sou psicóloga, mas acho que personificar o bem e o mal é ótimo, ajuda a entender o mundo, as consequências dos atos, a entender seus próprios medos. Cheguei a ler uma tese inclusive que dizia que crianças que tem "questões" com a mãe tendem a ter mais atração e medo por histórias de bruxa, e quem tem essas "questões" com o pai, tendem a se encantar com histórias de Lobo Mau. E pedem para repetir de novo e de novo e de novo a mesma história, contada da mesma maneira. Porque isso ajuda a enfrentar e entender seus medos, contando com a previsibilidade do conhecido.

Só para encerrar, queria deixar claro que eu não sou contra o politicamente correto. Acho maravilhoso não ouvir mais piadas racistas como eu ouvia quando era mais nova e realmente me incomodava. Acho isso bom. O que eu sou contra é o exagero, banir Monteiro Lobato porque uma figura da nossa cultura é diferente e incomoda. Acontece que isso tudo só incomoda aos adultos. Para as crianças tudo é natural e sem maldades.

Por isso aqui em casa o lobo ainda devora a vovó e é morto pelo caçador, o boi tem cara preta, atiramos o pau no gato, e tudo mais como era antigamente...

E vocês? Aderiram a essa nova onda?


Para saber mais:
Artigo original sobre as novas versões das cantigas infantil enviado pela @gdalpra aqui
Matéria excelente que eu tinha lido quando saiu e  a @UniversoMaterno me mandou novamente. Vale a pena ler inteira aqui

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