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sexta-feira, 4 de março de 2011

Grávida aos 53

Depois de dois casamentos longos com homens que não queriam ter filhos, a restauratrice Lilian Seldin Braga decidiu ser mãe solteira. Separada do segundo marido, pediu que ele doasse o sêmen para sua produção independente. Como a resposta foi negativa, ela foi atrás de um doador desconhecido. Hoje, grávida de 8 meses, espera a chegada daquela que acredita ser sua verdadeira companhia
Pri, 'de Princesa', a golden retriever que todos os dias, entre 6h30 e 7h, acorda a restauratrice Lilian Seldin Braga com lambidinhas na mão, está com a liberdade ameaçada. A partir de 15 de outubro, o mais novo integrante da família poderá chegar a qualquer instante e obrigar a cadela a deixar o quarto da dona para dormir em sua própria cama. Lilian, então, passará a dormir de vigília sobre o berço do filho - ou filha, já que ela preferiu não saber o sexo do bebê quando se submeteu a uma inseminação artificial, no início do ano.
Dona da Vinci Vinhos, uma das mais conceituadas importadoras de vinhos do País, e da Locanda della Mimosa, em Petropólis (RJ), único restaurante brasileiro a figurar no requintado guia francês Les grands tables du monde, Lilian optou pela inseminação depois de se separar do chef italiano Dânio Braga, 55, com quem foi casada durante 12 anos e ainda divide a sociedade do restaurante. 'Estávamos separados, mas eu queria que ele, que eu amei tanto, fosse o pai. Como não quis, pensei: se não será com ele, que seja com um desconhecido.'
Numa manhã de fevereiro, a obstinada Lilian deixou o apartamento de dois quartos na Lagoa, no Rio, onde mora com a mãe, Sônia, uma senhora de 88 anos que sofre de Alzheimer há oito, e foi ao consultório do ginecologista, em Ipanema. Ali, seu óvulo - apesar da idade avançada, Lilian não tinha entrado na menopausa - foi fecundado com o sêmen de um doador de '37 anos, porte atlético, descendência portuguesa e pele clara' e implantado no útero. 'A chance de engravidar na primeira tentativa era mínima [cerca de 20 %], mas aconteceu. O que só me faz crer que essa criança é um presente', disse Lilian à Marie Claire em seu escritório, em Copacabana, acariciando, orgulhosa, a barriga. A seguir, a empresária, uma das mais velhas brasileiras a engravidar de uma inseminação com o próprio óvulo, fala da opção de não ter sido mãe em nome do amor, admite ter feito aborto na adolescência e jura que não tem medo de ser a única sessentona no meio de uma infinidade de mães de 30 que buscarão seus filhos na escola.
Marie Claire Por que você demorou tanto para ser mãe?
Lilian Braga
Toda menina sonha em se casar e ter filhos. Depois, a vida traça seus próprios contornos. Enterrei esse desejo num lugar que nem eu sei bem qual é, para viver outras coisas. Fui casada duas vezes e meus maridos não quiseram filhos. Um porque já tinha do primeiro casamento, e o outro porque não queria mesmo. Nunca quis. Aí, depois de seis anos separada, pensei: 'Quer saber? Eu queria tanto. Por que não tentar?'.
MC Quando foi isso?
LB
Tomei a decisão há um ano e meio, mas a inseminação foi feita em fevereiro. Antes de procurar um banco de sêmen, pedi ao Dânio, meu ex-marido, que fosse o doador, o pai do bebê. Mas ele não quis. Não quis durante os 12 anos que passamos juntos e disse que não queria agora também. Daí, por acaso, encontrei com um cliente meu que é um dos maiores especialistas em reprodução do Rio e disse: 'Quero ter um filho, mas não tenho o pai. Como faço?'.
MC E o que ele disse?
LB
Eu virei pra ele e falei: 'Escuta, eu ainda ovulo, será que eu poderia, de repente, engravidar?'. Ele disse: 'De repente, poderia. Mas a gente tem de fazer uma série de exames antes'. Foi o que fiz. E, apesar de ter um mioma de seis centímetros no colo do útero, eu tinha todas as condições de ter um bebê. Ele me explicou como funcionava o tratamento, disse que muita gente tenta várias vezes e não consegue. Mas eu tive um presente, né? Engravidei na primeira tentativa.
MC Você não pensou em tentar pelo método tradicional ou em pedir o sêmen para alguém conhecido?
LB
Eu queria que o Dânio, que amei tanto, fosse o pai dessa criança, mas ele não quis e deve ter lá seus motivos. Então, pensei: 'Se não for com ele, que seja com um desconhecido mesmo', e parti para o banco de sêmen.
MC Que motivos você acha que ele tinha para não querer ser pai?
LB
É delicado falar disso, mas acho que pode ter a ver com a relação que ele tinha com os pais. O Dânio ainda era menino quando o pai dele foi para a guerra. A mãe trabalhava muito para não deixar faltar nada em casa e ele acabou crescendo como se não precisasse de pai e mãe. Mas todo mundo precisa, né?
'Pensei: 'Se não for com o Dânio, que seja com um doador anônimo''
MC Como é chegar a um banco de sêmen e dizer: 'Boa tarde, gostaria de um pai para o meu filho'?
LB
Você não vai até lá [risos]. As fichas com os perfis dos doadores é que vêm até você, por intermédio do médico. Recebi várias fichas com características como cor, religião, idade que tinha quando doou o sêmen, tipo sanguíneo, estatura, peso, cor de olho, tipo de cabelo, profissão, esportes que pratica. É uma ficha bacanérrima, completíssima e a gente tem de escolher quatro possibilidades. Depois de um tempo, eles entram em contato, confirmando um dos pedidos.
MC Como era o seu doador?
LB
Tinha 37 anos. Religião católica, descendência portuguesa e pele branca. Procurei traços parecidos com os meus. Como sou judia, as primeiras escolhas foram por judeus, não por convicção religiosa, mas porque queria alguém com a minha carinha. Pele clara, sardinha, essas coisas. Como os eleitos já não estavam mais disponíveis no banco, acabei fazendo uma segunda escolha, respeitando essas características. Mas a gente nunca sabe como vai ser, há crianças que não se parecem com o pai nem com a mãe, né?
MC Quem esteve ao seu lado durante esse processo todo?
LB
Fiz tudo sozinha. Ninguém foi comigo ao médico, nem na escolha do doador, nem no dia da inseminação. Até ao laboratório, na hora de fazer o exame de sangue para ver se estava grávida, fui sozinha. Teoricamente, eu pegaria o resultado do Beta HCG [hormônio que acusa a gravidez] no mesmo dia, mas perdi um papel do plano de saúde e acabei tendo de esperar até o dia seguinte.
MC E qual foi sua reação? Onde você estava quando abriu o exame?
LB
Uma amiga minha, que é médica e tinha acesso mais rápido ao resultado do que eu, me ligou para dar a notícia. Eu estava passeando com a Pri, minha cachorra, na Lagoa, quando ela me ligou e disse: 'Lilian, você está grávida!'.
MC E você? Chorou de emoção?
LB
Não [risos]. Eu ri. Não choro. Aliás, sou uma grávida atípica. Não sinto enjoos, sono, nada. Me sinto tão bem que só acredito que estou grávida porque a barriga cresceu.
MC Quem você imagina ao seu lado na educação dessa criança?
LB
Acho que vou me apaixonar outras vezes e namorar de novo. Mas agora sei que a pessoa mais próxima de mim será minha irmã, que é quatro anos mais nova e tem dois filhos adolescentes. Não tenho sogra, não tenho marido, minha mãe está doente e meu pai morreu [de infarto] quando eu tinha 18 anos. Terei mesmo de contar com a minha irmã.
MC Como ela reagiu quando você disse que ia fazer a inseminação?
LB
No início, tomou um susto. Depois, adorou a ideia. Um bebê na família depois de tanto tempo é uma bênção...
MC E o Dânio? Como reagiu?
LB
Só contei para ele quando já tive mais certeza de que estava grávida, depois do segundo mês. Quase não contei para ninguém. Imagine se eu contasse e perdesse? Seria duro. Preferi ficar quietinha até ter certeza. Quando contei, lá na Locanda [della Mimosa, restaurante do casal em Petrópolis, região serrana do Rio, posto à venda em abril], ele ficou meio atônito, como se não esperasse que eu fosse engravidar logo. Pôxa, eu queria que ele tivesse sido o pai. Não tinha por que esconder isso dele!
MC Por que você ficou 12 anos casada com ele, mesmo sabendo que ele não queria filhos?
LB
Achei que ele pudesse mudar de ideia. Achei que um dia ia querer. Conheci um casal que não queria ter filhos, mas, depois de um tempo morando juntos, o desejo de dar continuidade àquela história de amor apareceu do lado da mulher. E ele, por amor a ela, acabou topando. Os dois tiveram uma menina linda. Isso realmente depende do amor que você tem pela pessoa...
MC Você acha que faltou esse amor por parte do Dânio?
LB
Quando um homem ama mesmo uma mulher, ele abre mão da sua convicção de não querer ser pai. Aprende a amá-la e a amar a criança. Um filho não pode ser um problema para um homem. Quando você dá amor, aprende a crescer. Filhos dão continuidade à vida da gente. Não existe família sem continuidade.
'Não sei trocar fralda, dar peito nem banho. Vou ter de aprender '
MC Sua gravidez criou um constrangimento para ele, na medida em que mostrou para todo mundo que você partiu para a inseminação porque ele não quis ter filhos?
LB
Acho que não. Meu filho com o Dânio foi a Locanda. Não nos separamos porque eu queria ter filhos e ele não. Nos separamos porque a relação foi se desgastando.
MC Trabalhar junto desgasta muito? Por que você foi trabalhar com ele?
LB
Ficávamos 24 horas por dia juntos e isso desgasta mesmo. Todo casal precisa de um ritual de encontro, de um carinho, do namoro mesmo. Quando conheci o Dânio, ainda era casada com meu primeiro marido, um argentino chamado Rodolfo. Vivi 8 anos com ele e tinha o hábito de comer no Enotria, restaurante que o Dânio tinha em Copacabana. Dois anos depois da separação, o Dânio, sabendo que eu tinha uma confecção, me pediu para fazer umas camisetas para dar aos clientes e acabei indo jantar lá. Rolou um clima, e pronto [meio sem graça]... começamos a namorar. Sou formada em matemática, mas sempre curti gastronomia. Meus pais montaram a primeira delicatessen do Rio, nos anos 50, então acabei indo ajudar o Dânio. Pouco depois, fechamos o restaurante de Copa e abrimos o da Serra.
MC Hoje você mora com a sua mãe?
LB
Ela é que mora comigo. Minha mãe tem Alzheimer em estado avançado. Anda de cadeira de rodas, não reconhece ninguém e vive com enfermeiras. Está bem, dentro do que a doença permite e graças ao nosso carinho.
MC Já arrumou o quarto do bebê?
LB
Ainda não. Me mudo em um mês para um apartamento maior, de três quartos. Como só vou querer saber o sexo do bebê na hora do parto, penso em fazer o quartinho todo branco, bem neutro. Depois, coloco os detalhezinhos.
MC Por que essa decisão de só saber o sexo na hora do parto?
LB
Ah, porque eu quero surpresa. Não preciso saber o sexo ou o nome agora, nem sair comprando vestido. Em casa só tem mulher. Eu, a mamãe, a cachorra. Então, pra mim sou ligada em lacinhos e brinquinhos. Não sei nada de futebol. Nem o que é uma trave. Mas se for menino, tô disposta a aprender. De nada adiantaria saber o sexo antes.
MC Mães de primeira viagem tendem a ser mais afoitas. Por que você parece tão calma?
LB
A idade me deu serenidade. Cansei de conversar com meninas de 20 e poucos anos que ficam desesperadas para saber o sexo do bebê, escolher o nome, decorar o quarto, definir que roupa vai vestir quando sair da maternidade. Coisas que não me preocupam em nada. Ser mãe mais velha me permite viver cada momento, sem tanta ansiedade. Outro dia me disseram: 'Você precisa ter um esterilizador de mamadeira que só vende em Nova York'. Imagine! E os milhões de bebês que nascem no Brasil sem isso? Eles morrem? Claro que não! Sou mais pé no chão.
MC Você pode ter um parto normal?
LB
Pela minha idade, o parto normal é desaconselhado [com o passar dos anos, a elasticidade da pele fica comprometida e a dilatação tende a ser mais difícil]. Mas se eu tivesse dilatação, contração e tudo em cima, até poderia tentar. Agora, por causa do mioma, os médicos acham melhor nem tentar. O mioma é uma espécie de coágulo, o que dificultaria a passagem do bebê.
MC O parto já tem data marcada?
LB
A partir de 15 de outubro. Mas pode ser antes, ou depois. Quem manda é sempre o bebê.
MC Você se acha mais preparada para ter filho hoje que há 20 anos?
LB
Sem dúvida. Hoje, interpreto a vida de outra forma. Tanto que não tive medo de tocar essa gravidez sozinha e não terei de criar a criança. As pessoas me perguntam: 'Mas o que você vai dizer para essa criança sobre o pai dela?'. Há 30 anos, quase ninguém tinha pais separados. Hoje, há pais gays, filhos adotivos, mães que partiram para produção independente, várias novas configurações, e não podemos mentir sobre elas.
'Meu filho não terá vergonha de mim. Juventude
não é idade'
MC O que você pensa em dizer?
LB
Não sei. Vou tentar fazer da melhor forma e, se eu precisar da ajuda de um profissional, vou pedir, sem grilos. Tentarei explicar que queria ter um bebê, mas não tinha um pai para ele, sem que isso seja necessariamente um problema.
MC Você levou alguma cantada depois de grávida?
LB
Algumas [risos]. Um amigo, que nem sabia que eu estava separada, mas sabia da gravidez, me procurou dizendo que queria sair comigo. Muitos homens se fascinam pela beleza da mulher grávida e isso só prova que nem uma separação nem uma gravidez independente são motivos para a gente não refazer a vida ao lado de outra pessoa. É que agora não quero namorar. Seria muita informação para uma pessoa só. Estou totalmente voltada para o bebê.
MC Mas, mais pra frente...
LB
Mais pra frente, um amor poderá ser muito bem-vindo!
MC Como você imagina sua nova rotina? Faz planos?
LB
Pretendo ter uma babá para me ajudar a cuidar do bebê. E eu digo ajudar [enfática] porque quem vai cuidar mesmo sou eu. Não esperei tanto para ter filho para largá-lo. Vou continuar trabalhando, cuidando da minha vida, mas vou ser mãezona, que cuida mesmo. Não sei trocar fralda, não sei como se dá um peito, um banho, nada. E não tenho vergonha de assumir isso.
MC Você já parou para pensar como será ter 60 anos sendo mãe de um filho de seis e vendo que as mães dos amiguinhos dele têm 30?
LB
Olha a minha cara [indignada]! Cada pessoa faz um tipo. Eu sou uma pessoa que usa e adora minissaia. Uso meia-calça turquesa com saia preta, bota. Não me sinto nem sou uma velha! Sei que vão dizer: 'Essa mulher é louca, vai ser uma velha caquética quando o filho for adolescente'. Agora, me diz: a Ana Maria Braga é uma velha? A Bruna Lombardi, que tem 60, é uma velha? Não! Isso é de cada um. Tenho certeza de que meu filho não vai ter vergonha de mim. A juventude não está na idade. Está na forma de viver.
MC Você já fez plástica?
LB
Já. Fiz uma plástica no rosto, há 10 anos. Eu me olhava no espelho e via umas ruguinhas, o olho marcado, o papo. Aí, conversei com o cirurgião e ele me disse: 'Não adianta tirar a bolsinha dos olhos porque vai sobrar aqui [aponta para região das têmporas]. Vou fazer uma geral em todo o rosto e, depois dessa, você só vai fazer mais uma na vida, daqui uns 20 anos'. Até hoje não pensei em refazer. Daqui uns 10 anos, quem sabe...
MC Quando você olha para trás, o que pensa? Se pudesse mudar sua história, teria tido filhos mais cedo, casado com outra pessoa?
LB
Acho que não faria nada diferente. Não estou arrependida de não ter tido filho antes. Sempre fui muito adolescente, muito envolvida só com as minhas coisas. Não sei se teria sido uma boa mãe se tivesse filho antes. Agora chegou minha vez. Estou mais preparada para isso.
MC Você é a favor da legalização do aborto?
LB
Totalmente. Pode parecer incoerência uma grávida dizer isso, mas se você não está preparada para ser mãe, é melhor não ter. Acho um absurdo essas mães que adotam e devolvem ou que têm o filho e jogam na lata de lixo. Isso deveria ser punido de uma forma grave. Acho que a mulher tem de arbitrar seu próprio corpo.
MC Você já fez aborto?
LB
Fiz. Tinha 18 anos quando engravidei do meu primeiro marido. Ele era mais velho, já tinha filhos de outro casamento, não queria outros e eu não tinha condições de cuidar sozinha desse filho. Era muito menina, nem tinha começado minha vida profissional, meus pais não tinham condições, eu ganhava pouco. Enfim, não tive outra alternativa, tirei e nunca mais engravidei, só agora [reflexiva]... que coisa, né?
MC Nessa segunda gestação, chegou a pensar o que faria, por exemplo, se o bebê tivesse algum problema genético?
LB
Aos três meses, fiz um exame chamado translucência nucal. É um tipo de ultrassom que mede tanto a nuca do nenê quanto o osso do nariz. Não entendia o porquê daquilo. Depois, fui saber que o bebê com síndrome de down não tem osso no narizinho. E pensei: 'Pôxa, o que vou fazer se ele não tiver osso no nariz?' [voz grave]. Na nossa cabeça, de outra geração, síndrome de down é um problema. E não é mais para ser assim! Graças a pessoas como o Manoel Carlos [novelista que colocou uma criança com síndrome em Páginas da vida] e o Romário [que vive declarando seu amor a Ivy, a caçula portadora da síndrome], a sociedade viu que o down não é uma vergonha. Então, fiquei pensando no quanto eu ia amar esse bebê, fosse ele do jeito que fosse, com ou sem osso no nariz. Ali, tive certeza de que eu teria esse filho de qualquer jeito.

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