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domingo, 27 de março de 2011

As cores não contam?



O Conselho Universitário, órgão máximo de decisões da UFRJ, tem discutido nos últimos meses a adoção de um conjunto de ações relacionadas ao ingresso e à permanência de estudantes de camadas de baixa renda na universidade para o ano de 2011. O limitado acesso à educação superior no Brasil é uma das expressões mais significativas da desigualdade social existente no país.
Renda, origem geográfica e cor da pele são alguns dos elementos que demarcam e reforçam as diferenças entre os que têm acesso à educação dos que não têm. Se hoje apenas 13% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos estão no ensino superior, no Nordeste este percentual cai para 7,5%, enquanto na região Sul alcança 16,6% dos jovens. Entre os jovens que se declaram brancos, 19,8% frequentam universidades; já entre pretos e pardos esse percentual é quase três vezes menor (6,9%). Entre os mais ricos - famílias com renda per capita superior a cinco salários mínimos - este percentual chega a 71%, valor significativamente mais alto do que os 4% alcançado entre os jovens mais pobres, com renda familiar per capita de até um salário mínimo.
Por mais que haja associação destas variáveis, chama a atenção que mesmo entre os mais ricos o fato de ser negro representa uma menor escolaridade e uma menor renda. Há no Brasil uma desigualdade que é diretamente associada à cor da pele e isso somente será superado no momento em que políticas públicas e ações afirmativas sejam desenvolvidas de forma a reconhecer esta realidade. As cotas étnicas, a partir da declaração dos estudantes, seria um desses mecanismos disponíveis para diminuir a desigualdade.
Contudo, o Conselho Universitário da UFRJ deliberou pela adoção de cotas sociais para 20% das vagas , destinadas a alunos de escolas públicas estaduais e com o uso do ENEM como forma de ingresso. Dessa forma, a UFRJ ganhará com uma maior diversidade em relação à origem geográfica de seus novos alunos, além de favorecer o ingresso de alunos de escolas públicas. Este percentual representa um pequeno avanço, maior do que o inicialmente proposto pela reitoria, tendo impacto efetivamente nos cursos de alta procura, como Medicina e Direito.

Passar no vestibular é mérito?
Alunos que ingressem por meio de cotas não representam alunos de "segunda classe" e nem entram pela "porta dos fundos". A educação é um direito destes e as históricas desigualdades brasileiras representam um empecilho para que estes jovens possam ter acesso ao ensino superior.
São cerca de 2 milhões de jovens que concluem o ensino médio em escolas públicas estaduais no Brasil e cerca de 100 mil no Rio de Janeiro. A UFRJ, em 2011, estará aberta para receber um pequeno percentual desses alunos, aqueles que tiverem o melhor desempenho e que trarão a importante contribuição de ampliar a diversidade do corpo discente e que certamente contribuirão na manutenção e na ampliação da excelência que historicamente demarca o ensino, a pesquisa e a extensão da UFRJ.
Nesta discussão sobre a democratização da universidade e a adoção de ações afirmativas para estudantes de camadas de baixa renda, uma questão fundamental são as condições relacionadas à permanência desses estudantes. Os recursos por aluno destinado ao ensino superior no Brasil, apesar de comparativamente baixos em relação ao volume da riqueza nacional, são significativos, como revela o documento Education at Glance 2009. Porém quando observados detalhadamente destaca-se o pouco apoio à pesquisa e aos estudantes. Enquanto os valores gastos com as despesas correntes por aluno no Brasil são maiores do que a média dos países mais ricos filiados a OCDE, os valores destinados à assistência estudantil e à pesquisa são mais do que quinze vezes inferiores ao da média desses países.
A adoção de cotas sociais representa uma importante ação da UFRJ. Este é um pequeno, mas significativo passo que precisa ser dado em relação ao acesso ao ensino superior no Brasil. As decisões feitas em relação ao ingresso em 2011 representam uma primeira experiência, a qual será observada e municiará a continuidade de um amplo e abrangente debate no interior da UFRJ, para que haja uma contribuição ainda mais significativa para a democratização do acesso ao ensino superior no país.
Nas próximas semanas serão realizadas discussões para a formulação de proposta a ser adotada a partir do ingresso de 2012 e que tenha um período maior de experiência do que a proposta recém-aprovada para o acesso de 2011. Tenho a expectativa de que possamos efetivamente debater, como se espera que ocorra no ambiente universitário, a pertinência e os dados que corroboram a adoção de cotas sociais conjugadas às cotas étnicas, pois afinal no Brasil, infelizmente, as cores contam.

Abdias: Se pudessem, colocavam o negro de novo na escravidão


Defensor fervoroso do sistema de cotas raciais em universidades públicas, o ex-senador e deputado federal, Abdias do Nascimento, 96 anos, um dos líderes negros de maior expressão no país, considerou "uma coisa lamentável" as alterações no texto original do projeto de lei que institui o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado nesta quarta-feira (16), no Senado.
Um dos pontos mais criticados foi, justamente, a retirada do trecho que falava sobre a regulamentação da reserva de vagas para a população negra na educação. O estatuto, que tramitou no Congresso durante sete anos, entra em vigor após a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
-As cotas são absolutamente importantes. São um passo adiante da degradação que o negro tem sofrido durante tantos séculos.

Confira a entrevista

Terra Magazine - O Senado aprovou ontem projeto de lei que institui o Estatuto da Igualdade Racial. O texto original sofreu alterações, como a retirada do trecho que previa cotas para negros na educação e a criação de uma política de saúde pública para negros. O que o senhor achou das mudanças?
Abdias do Nascimento - Uma coisa lamentável, porque se há uma população que necessita de um apoio específico em todos os sentidos, em todos os níveis das atividades nacionais são os negros. São os únicos que foram escravos. As pessoas falam que não precisa de uma proteção, mas ninguém foi escravo aqui, a não ser os africanos.

Então, na avaliação do senhor, as mudanças foram lamentáveis.
É claro. Lamentável, porque é uma injustiça a mais. Uma injustiça que se repete.
O relator do texto, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), substituiu o termo "raça" por "etnia", alegando que não existe outra raça além da humana.
Isso é aquela história brasileira de adoçar as coisas. Adoçam o racismo específico contra os africanos e descendentes. Isso mostra, mais uma vez, o gérmen... A alma do Brasil que manda é essa. É contra os africanos, contra os negros. Acho lamentável. Mostra que o Brasil continua o mesmo desde a escravidão. Mostra que, na verdade, ninguém queria que o negro fosse liberto. Mostra que, se pudessem, colocavam, outra vez, a escravidão.

O senhor ainda considera que a Abolição da Escravatura no Brasil não passa de uma mentira cívica e que ainda há um hiato entre negros e brancos no país?É isso aí: uma mentira cívica. Uma "bela" mentira cívica. E ainda existe um hiato entre negros e brancos. Há dois "Brasis": um dos brancos e outro dos negros. Sem dúvida nenhuma.
O autor da proposta, senador Paulo Paim (PT-RS), afirmou que o estatuto está longe do ideal, mas que a aprovação foi uma vitória? O senhor concorda?
Não concordo, porque é a continuidade do racismo, da discriminação, do desprezo pela herança africana. Essas leis, esses disfarces para não chamar o Brasil de racista continuam. Desculpe, mas isso é odioso e, no meu entender, vai realçar a separação, a diferença e a possibilidade dos negros terem uma integração perfeita.

Especialmento sobre o trecho que fala das cotas, que foi suprimido do texto original. O que o senhor acha sobre isso?
As cotas são absolutamente importantes. São um passo adiante da degradação que o negro tem sofrido durante tantos séculos.

Negras são as principais vítimas de violência no Rio de Janeiro


Rio de Janeiro - A mulheres negras têm mais chance de serem alvo de violência no Rio de Janeiro, segundo constata pesquisa divulgada pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), na semana passada, baseada em dados coletados em 2009.
O Dossiê Mulher 2010 mostra que as mulheres pretas e pardas (negras, na categoria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) são a maioria entre as vítimas de homicídio doloso – aquele em que há intenção de matar - (55,2%), tentativa de homicídio (51%), lesão corporal (52,1%), além de estupro e atentado violento ao pudor (54%). As brancas só eram maioria nos crimes de ameaça (50,2%).
De acordo com a coordenadora da organização não governamental Crioula, Lúcia Xavier, embora o racismo não esteja evidente nos casos de violência contra a mulher negra, está por trás de processos de vulnerabilização dessas mulheres, que as deixam mais expostas a situações de violência. Para ela, a sociedade desqualifica as mulheres negras.
”O racismo permite que a sociedade entenda que essas mulheres [negras] podem ser violentadas”, afirmou Lúcia. “Está aí a representação delas como lascivas, quentes, sem moral do ponto de vista da sua experiência sexual. Logo, acabam mais vulneráveis para essa violência”.
Em todos os crimes listados no dossiê, também chama a atenção o percentual de vítimas que conheciam os agressores. Nos casos de lesão corporal, 74% das mulheres tiveram contato com os acusados, entre os quais 51,9% eram companheiros ou ex-companheiros. Pai ou padrasto, parentes e conhecidos somaram 22,1% dos agressores.
Nas ocorrência de tentativa de homicídio, a pesquisa constatou que em 45,8% dos casos as vítimas também conheciam os agressores, assim como em 38,8% dos casos de estupro e atentado violentado ao pudor, dos quais 58,4% do total de vítimas tinha até e 17 anos.
“As pessoas que se relacionam intimamente também reproduzem essa violência simbólica do racismo”, destacou a coordenadora da Crioula.
Um das pesquisadoras responsáveis pelo estudo do ISP, a capitã da Polícia Militar Cláudia Moares, não faz a mesma avaliação de Lúcia Xavier. Para a militar, a pesquisa não traz elementos suficientes para relacionar a violência contra as mulheres negras ao racismo.
Cláudia destaca também que as mulheres brancas, em termos percentuais, sofrem quase a mesma violência que as mulheres pardas.
“Essa violência, do tipo doméstica, é democrática, afeta todo os níveis e classes sociais”, afirmou. A pesquisadora também questionou o critério de autodeclaração racial, definido pela própria vítima.
“A pesquisa não traz elementos para afirmar que a questão de raça é um fator motivador da violência. Encontramos maior distribuição [entre pretas e pardas], até porque essa cor é autodeclarada, não é estabelecida pela pessoa que fez o registro”, explicou Claudia.

Homem que xingou de 'nega safada' e cuspiu em negra dentro de ônibus em Brasília segue preso


BRASÍLIA - O homem que xingou uma mulher de 'nega safada' e cuspiu no rosto dela dentro de um ônibus em Brasília vai continuar na cadeia até que o caso seja remetido à Justiça. André Soares Nasser, de 35 anos, foi preso e indiciado em flagrante por crime de injúria racial e lesão corporal. O crime de injúria racial é inafiançável na polícia.
No Código Penal brasileiro há três crimes contra a honra e um deles é a injúria. A pena é de três anos, além de multa, quando ela contém elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
- O autor alegou que esta senhora teria dado o dedo para ele. Mas não há nenhuma testemunha que comprove esta versão. O que nós temos é a versão de que realmente ele levantou, se aproximou, cuspiu em seu rosto e a chamou de 'nega safada' - diz o delegado Laércio Rosseto.
O delegado não indiciou o homem por racismo.
- Nós entendemos que, quando ele partiu para agredir a honra subjetiva da vítima, a intenção dele era de causar esse sentimento de diminuição. E não de praticar um crime contra a raça negra - afirmou o delegado.
Um dois passageiros do ônibus ligou para a Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial. Nesta sexta-feira, o ouvidor da Secretaria, Humberto Adame Junior, disse que o fato de o cidadão estar preso é inédito, pois na maioria das vezes a polícia indicia apenas por injúria, não por injúria racial.
- É um fato inédito e o cidadão está preso. Isto deve servir de exemplo para que outras pessoas que tomem conhecimento disso não aceitem mais este tipo de comportamento social - afirmou.
Para ele, a mobilização das pessoas dentro do ônibus, em defesa da mulher, não é comum.
- Não faria o que o companheiro fez, porque é muito arriscado para os passageiros. Eu deixaria o rapaz sair do ônibus e daria sequência à viagem - diz o motorista de ônibus Elson Santana.
- É meio arriscado. Pode acontecer alguma coisa depois - acrescentou outro motorista.


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