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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Amor bandido Elas desafiam o bom senso e caçam namorados nas cadeias. Eles abandonam as parceiras na prisão


ROMANCE
Cristiane, de 25 anos, não gosta de homem honesto
Elas não temem a fúria dos homicidas nem a frieza dos seqüestradores. Tampouco se importam com a astúcia dos assaltantes ou a violência dos traficantes. Há mulheres que desafiam o senso comum e vão à caça de namorados nas penitenciárias. Para conseguir uma vaga de musa penitenciária, elas encaram até o constrangimento das revistas, em que cada milímetro do corpo é inspecionado. As moças são enfeitiçadas por carta e telefone ou convencidas a experimentar um affair atrás das grades por um parente ou amigo detento. Classificados e programas de rádio estão sempre na mira dos marmanjos. Na fase da conquista, as raparigas vivem tórridos romances. Depois os afagos se transformam em controle e, muitas vezes, em agressão. Apesar de todos os embaraços, algumas fazem do amor bandido um projeto de vida.
A recíproca não é verdadeira. Ao fim da luta pela igualdade entre homens e mulheres atrás das grades, as detentas de São Paulo conquistaram o direito à visita íntima no ano passado. A comemoração durou pouco. Logo se descobriu que a maioria havia sido esquecida pelos maridos. Apenas 5% das presidiárias recebem visitas do companheiro, contra 75% no sistema prisional masculino.
Ao contrário dos homens, as mulheres costumam ter posição secundária no mundo do crime. Quando são presas, perdem o lugar e os rendimentos. Sem vantagens para oferecer, elas são logo substituídas no coração volúvel dos namorados. Os homens, não. Mantêm a vida amorosa e os negócios funcionando no mesmo ritmo de quando estavam nas ruas. Em solidariedade aos solteiros, especialmente os chefões, os presidiários arregimentam primas, irmãs e colegas. Alguns mantêm verdadeiros haréns com a cumplicidade dos agentes. Têm três ou quatro namoradas ao mesmo tempo. O famoso traficante Luiz Rodrigues, o Chacrinha, tinha oito na extinta Casa de Detenção. Só não arrumou mais porque foi morto durante uma rebelião.
Dois meses depois de terminar o casamento com um ex-presidiário, Cristiane da Silva Lima, de 25 anos, resolveu investir num novo romance. Escolheu um homicida da Penitenciária do Estado, na Zona Norte de São Paulo. Trocou dúzias de cartas e juras de amor com o matador. No mês passado foi conhecê-lo. Passou a madrugada preparando maionese, macarrão, torta, bolo e pudim. Um 'jumbo' de respeito para o pretendente. Às 7 horas da matina saiu de Cidade Tiradentes, na Zona Leste da capital paulista. Chacoalhou dentro de um ônibus durante uma hora. Tudo em vão. Como numa história de folhetim, a falta do RG a deixou do lado de fora, aos prantos. Dias depois, soube por uma amiga que o homicida já tinha mulher. 'Lá eu não volto mais', garante. Aprendeu? Nada.
Paulo Vitale/ÉPOCAMaurilo Clareto/ÉPOCA
PAIXÃO
A., de 18 anos, esconde da família o romance com um detento
SEM MARIDO
A assaltante Rita despista a solidão fazendo o crochê que decora a cela
Menos de 24 horas após o rompimento, o coração da moça foi fisgado num chat da internet por um 'moreno forte'. O celular, produto farto nas penitenciárias, dá acesso a salas de bate-papo. O dom-juan cibernético não se intimidou com o risco de ser pego em falta disciplinar e punido com uma temporada na solitária. Tratou de seduzir a moça e agora espera pelas visitas.
Do lado de dentro dos muros, eles mantêm mão-de-ferro. Pobre da mulher que não andar na linha. É morte na certa. 'O meu namorado me controla. Os amigos dele contam tudo o que faço na rua', diz Vanessa Corrêa, de 18 anos, apaixonada por um seqüestrador. 'Gosto das coisas difíceis e do jeito nervosão e estúpido dele', conta. O cupido foi um detento amigo da moça. O primeiro contato aconteceu por telefone. 'Conversamos durante um mês e resolvi arriscar', diz.
É comum a polícia, nas escutas telefônicas, interceptar romances em vez de informações estratégicas. 'Vou te levar num lugar cheio de homens legais e lindos', dizia uma operadora de central telefônica do Primeiro Comando da Capital (PCC) a uma amiga solteira. O convite para visitar uma penitenciária foi registrado num grampo. Há três anos, um megacasamento no Carandiru oficializou a união de 111 casais. Quatro em cada dez pares haviam iniciado o relacionamento atrás das grades.
'Só tenho namorado de cadeia', declara Michele Teixeira, de 19 anos. O primeiro era estelionatário, o segundo ladrão de banco, o atual puxava carros. Todo domingo ela gasta quase duas horas no trajeto entre Diadema e a Penitenciária do Estado. Ainda não levou o filho para o parceiro conhecer. 'Ele assumiu o menino e me ajuda com algum dinheiro', conta. Na parede da cela, Eduardo pendurou fotos de Michele e do bebê. Guarda os pertences dela na prateleira: batom, xampu e escova de dentes. A estudante explica a atração fatal com ar maroto. 'Gosto de aventuras', diz.
Enquanto 75% dos presos namoram, apenas 5% das detentas têm visita íntima
Na classe média, namorar homens bem formados e endinheirados confere status. Nas comunidades tomadas pela marginalidade o amor bandido pode ser sinônimo de ascensão social. 'As pessoas não conseguem me olhar, têm medo', conta Michele. Há dois meses, ela escapou de uma suspensão porque a diretora da escola foi avisada de que a garota namora um criminoso.
Os dom-juans preparam-se com afinco para o dia mais importante da semana, o da visita. Os aficionados de exercícios físicos improvisam halteres com cabos de vassoura e garrafas de refrigerante. Passam horas correndo e esculpem os bíceps e o tórax com flexões. Cuidam da alimentação como podem. Ovos crus, considerados afrodisíacos, são desviados da cozinha. Amendoim e achocolatados completam a dieta dos que desejam melhorar a performance sexual. Usam todos os artifícios possíveis para manter a mulher. Longe das grades, os romances tornam-se rarefeitos. Em geral, acabam depois que os galãs vão para as ruas.
Parte dos 25% solteiros se ajeita com colegas travestis nas prisões. São dez maços de cigarro por um encontro de uma hora, em média. Outros contratam garotas de programa. Os abastados até pagam prostitutas de luxo. Elas têm a entrada facilitada por funcionários corruptos, e às vezes são incluídas na lista de visitas. Na véspera do grande dia, os presos cortam o cabelo e fazem o mutirão da limpeza. Lavam cada canto, expulsam todo o pó. Ajeitam as camas e trocam os lençóis. Tapam com toalhas os pôsteres de mulheres peladas nas paredes. Nenhuma roupa íntima pode ficar à mostra. Andar sem camisa, então, nem pensar. As visitas são sagradas e sempre tratadas com respeito. As leis da detenção são seguidas à risca. Quem desafia os preceitos não recebe perdão. A pena mínima é um corretivo, a máxima é a morte.
Paulo Vitale/ÉPOCAMaurilo Clareto/ÉPOCA
VIGILÂNCIA
Mesmo atrás das grades, o namorado de Vanessa controla todos os seus passos
SOBREVIVÊNCIA
Enquanto faz simpatias para o marido voltar, a traficante Cida corteja as moças
Os detentos andam de olhos baixos, com as roupas sempre limpas e bem passadas e os sapatos lustrosos. Não encaram as moças nem lhes dirigem a palavra. Só fazem a corte com a permissão do anfitrião, como nos tempos antigos. Num domingo de 1997, no Carandiru, um viciado em crack cedeu a mulher a um traficante para quitar dívida de drogas. No dia seguinte os dois foram 'justiçados' por causa da pouca-vergonha.
As benesses da vida bandida - mesada graúda e roupas de grife - são para poucas. Por isso, os chefões do crime organizado são tão disputados. O líder do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, carrega fama de conquistador. Gosta de mocinhas. Como a atual, Cíntia, de 22 anos, apresentada ao chefe por um subalterno. Inteligente, bem-apessoado e poderoso, ele nunca precisou se esforçar para ter mulher. Fernandinho Beira-Mar também é cobiçado nos morros cariocas. Há quatro anos, comandou por telefone a execução de Michel Anderson dos Santos, de 20 anos. 'Ele ainda está de pé? Corta os pés. E as orelhas também', ordenou. O rapaz seria amante de Joelma de Oliveira, ex-namorada do traficante. Desaparecida desde o episódio, supõe-se que ela também tenha sido assassinada. O ex-chefão do PCC José Márcio Felício, o Geleião, conheceu a esposa, Petronilha Maria Carvalho Felício, quando ela fazia um trabalho voluntário na cadeia. Policiais e promotores contam que Geleião, um valentão condenado a 62 anos por homicídio, roubo e estupro, revela-se um sentimental quando fala em Petrô. O casal protagonizou o maior golpe no PCC ao delatar nomes, estrutura e ações da facção no ano passado. Está jurado de morte.
O perfil do anti-herói também causa frisson em meninas bem-nascidas. 'A mulher moderna quer ter o controle do relacionamento', avalia Jesus Ross Martins, ex-diretor da Casa de Detenção. 'Quando ela se envolve com um preso, o relacionamento é estável e a decisão de visitá-lo ou não é só dela', diz. O fascínio pelo desconhecido e o espírito transgressor são ingredientes que podem temperar a inclinação. Uma história recente foi o casamento da cantora Simony com o rapper Cristian de Souza Augusto, o Afro-X. Ele ganhou liberdade condicional em julho do ano passado, depois de sete anos de cadeia. Nos anos 80, a jornalista Marisa Raja Gabaglia envolveu-se com o cirurgião plástico Hosmany Ramos, condenado a 21 anos. A filha de um político carioca namorou o traficante Roberto de Moura Lima, o Meio Quilo.
PEQUENO DICIONÁRIO AMOROSO
O código do romance atrás das grades
ABANAR: sinais criados pelas presas para se comunicar com os detentos da penitenciária masculina
CORRESPONDENTE: quem troca cartas com as(os) presas(os)
INTERDITAR: não permitir que ex-companheira se relacione com outro bandido
MULHER FIRMEZA: companheira que não falta às visitas semanais
PEDALAR: girar um lenço ou tecido para procurar namorado (a)
TALARICO: homem que paquera mulher de outro
Não existem romances do gênero nas prisões de mulheres. As celas femininas são territórios de solidão. Ter mulher atrás das grades não confere prestígio nem proteção ao homem. Quando o marido possui ficha limpa, geralmente não aceita uma criminosa. 'Tinha certeza de que ele ia me deixar. É muita humilhação', desabafa Claudinéia de Oliveira, de 26 anos, dois filhos. O relacionamento de 14 anos não resistiu à prisão. Condenada a mais de uma década por assalto à mão armada, ela passa os dias escrevendo. Acumulou 38 correspondentes simultâneos. Já tentou 'abanar', o ritual no qual as moças, do pátio ou das janelas, trocam sinais com os enclausurados da Penitenciária do Estado, a 100 metros dali. As mais afoitas gritam. As solitárias acenam lenços. Agora Claudinéia arranjou um pretendente preso em Pirajuí, no interior de São Paulo. Trocam 20 cartas por semana. Vale tudo: poemas, recortes de revistas e piadas. 'Só o conheço por foto. Mas já fazemos planos', diz.
O lesbianismo, inclusive o circunstancial, é comum nas cadeias. 'As chances de uma mulher conseguir um namorado depois de presa são mínimas', diz Maria da Penha Dias, diretora da Penitenciária Feminina da Capital. Detida pela sexta vez, a última por tráfico, Maria Aparecida da Silva, de 30 anos, tenta driblar a solidão paquerando as companheiras. Em um ano, já namorou duas. Cida não se conforma por ter sido desprezada pelo marido, mecânico, com quem teve seis filhos. Mandou cartas, pensou em suicídio. Vive às voltas com simpatias. Todas as tardes, ela se agarra às grades da janela e entoa um mantra: 'Tá louco, Cearense, volta pra mim. Eu te amo'.

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