Além da curiosidade dos outros, conflitos gerados por vivências diferentes são desafios dos casais
Larissa Januário, especial para o iG São Paulo
O amor entre pessoas com idades muito diferentes está em todos os lugares, e também na televisão. A novela “Insensato Coração”, da Rede Globo, traz o tema mais uma vez aos lares com o novo casal Carol (Camila Pitanga) e Raul (Antônio Fagundes). Ele, aliás, tem idade para ser pai dela, como dizem. No entanto, o par romântico deve cair no gosto popular, Fagundes é um papa-anjo escolado. Em 1993, na pele do coronel Zé Inocêncio, ele se casou com a jovem Mariana, então namorada do seu filho, vivida por Adriana Esteves. Na televisão ou na fila do supermercado, o assunto não é novo, mas ainda causa – no mínimo – curiosidade.
“Existe um preconceito de quem está de fora, de que numa relação assim sempre tem alguém que está se aproveitando e o outro sendo explorado”, explica Eliana Piccoli Zordan, doutora em psicologia e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Conjugalidades e Famílias do URI (Universidade Regional Integrada). Para a especialista, as pessoas têm uma imagem de que nesses casos não há afeto e amor e, por isso, tendem a rejeitar a ideia.
O ser humano é resistente às alterações de padrões de comportamento. Manter o que se aprendeu ao longo de anos parece ser mais confortável do que ousar alguma modificação que gere questionamentos e dúvidas, explica Célia Regina Siqueira, psicóloga. “O tema será alvo de debates até o dia em que passe a ser mais um padrão, absorvido e compreendido”.
Mas como lidar com as situações difíceis neste contexto? Especialistas no assunto e casais que vivem relações com diferença de idade falam sobre experiências e saídas.
Bom humor, acima de tudo
É sua filha? Não, minha esposa. Mariana Costa, coordenadora de suporte técnico, 28 anos, casada há três com João Orubajara, 48 anos, viveu algo parecido. “Fomos comprar uniforme escolar para o filho do João e a costureira achou que fosse pra mim. Morremos de rir porque a senhora não fez por mal”, conta. Fizeram certo. Em situações como essa o ideal é encarar com bom humor. “A saia justa acontece quando as pessoas estão fechadas nos modelos e arranjos conjugais tradicionais. Isso não tem nada a ver com o casal, mas sim com o contexto social”, aconselha Eliana Piccoli.
A escritora Luna Guedes, 29 anos, também tira de letra esse tipo de situação ao lado do marido, o engenheiro Marco Antônio Guedes, 65 anos. “Uma senhora comentou ‘Bonito o senhor seu pai’. Ele mudou de cor, já eu, fiz um carinho no rosto dele e disse ‘concordo com a senhora’, então dei um beijo bem caprichado na boca dele”, conta Luna, que até hoje se diverte com o episódio.
No caso da mulher ser mais velha, no entanto, o conflito maior acaba sendo interno, da própria mulher. Mena Vianna, professora de Brasília, 50 anos, é casada com o eletricista Gilvan José dos Santos, 30 anos. “A questão da idade foi muito mais difícil pra mim. Eu fiquei ressabiada com a diferença e, no início, não queria nada com ele”, conta Mena. “Hoje nós simplesmente não ligamos para os outros”, completa.
A nova e a antiga família
A aceitação do parceiro por parte da família é importante em qualquer relacionamento. No caso dos parceiros com diferença de idade, a situação pode ser ainda mais delicada. Sandra Regina da Costa, 57 anos, é casada com Ademar da Costa, 47 anos. “Quando nos casamos eu tinha 28 e ele 18, no interior do Paraná. Muita gente dizia que não ia dar certo, que ele não levaria o casamento a sério e só queria se divertir”. Eles estão juntos há 30 anos e garantem que vivem felizes, mas Sandra acha que a família dele nunca a aceitou 100%. “Nós tivemos duas filhas e sempre vivemos a nossa vida mais à parte. Ele comprou minha briga e nunca ligamos muito para o que os outros pensavam”.
Outro ponto que pode abalar a relação é quando o parceiro mais jovem sonha em ter filhos, mas o mais velho não. Mariana Costa sente que João fica temeroso com o assunto. “Ele acha que vai estar muito velho quando o filho for jovem e tem até medo de não estar mais aqui”. Já Luna Guedes é convicta na sua opção ao lado do marido que já tem filhos de outro casamento. “Eu não quero ter filhos, nunca quis. Temos um cachorro lindo e pra mim está ótima a nossa família”, brinca.
Segundo a psicóloga Célia Siqueira, a escolha de ter ou não ter filhos merece muita reflexão. “Abrir mão de projetos pessoais em nome do outro é algo muito significativo e pode determinar o trajeto do relacionamento”. Eliana complementa: os filhos não precisam ser necessariamente biológicos. “O conceito de família atual está muito mais associado a laços afetivos e de compromisso. Estamos diante de tantas quedas de paradigmas. Um casal homossexual, por exemplo, terá de buscar formas alternativas para ter filhos”. Para a especialista, o relacionamento se manterá enquanto esses e outros conflitos forem negociáveis, independente da idade de cada parceiro.
De geração em geração
Simone Miletic, contadora de 34 anos, casada com o administrador Carlos Miletic, 49 anos, também coleciona situações engraçadas que envolvem choque geracional. “No nosso segundo encontro ele me contou que gostava do Genesis com o Peter Gabriel. E eu perguntei: ‘Peter Gabriel do Genesis?', e ele ‘Sim, eles vieram ao Brasil e tudo, em março de 76’. Respondi: Ah tá, é que nasci em maio. Rimos disso até hoje”.
A diferença entre gerações pode levantar ainda questões mais sérias. Simone concorda que há diferenças. “Ele é mais fechado quando o assunto é homosexualidade, por exemplo. E, mesmo que não admita, tem dificuldade em lidar com o meu papel em casa, é mais machista mesmo”. Mariana Costa também lida com algumas disparidades. “Eu tenho uma tatuagem que o João não aceita. Ele diz que, na época dele, tatuagem era coisa de marginal. Pode?”. Ela conta que o marido também tem dificuldade de aceitar a homossexualidade e a liberdade da mulher de hoje. Para Mariana, isso tem a ver com a época em que ele foi criado e com a educação conservadora que recebeu da família de militares.
Ela tem razão, em partes. “Toda relação é permeada por divergências de valores e opiniões. Independente se há ou não diferença de idade. Mas se duas pessoas estão juntas é porque as afinidades predominam. O mais importante é saber conciliar interesses individuais e conjugais”, aconselha Eliana. Célia acrescenta que é natural que vez ou outra haja divergência de interesses. “É saudável exercitar a individualidade, sem medo e sem culpa”.
http://delas.ig.com.br/amoresexo/diferenca+de+idade+ainda+atrai+olhares+e+nao+deve+ser+disfarcada/n1596971751357.html
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