Malandro. Um bom malandro. Assim que era conhecido pela maioria das pessoas. Gilberto da Costa era seu nome. Mas só se lembrava do nome e sobrenome quando, de alguma forma, precisava buscar informações no documento de identidade. Para ele e para todos, era simplesmente Giba. Malandro Giba.
E foi assim que cresceu pelas vielas do bairro em que nasceu, a Freguesia do Ó, na zona norte da capital paulistana. Tinha vinte e poucos anos, era bonito, tinha o corpo definido, avantajado, músculos conquistados durante os "bicos" que fazia como servente de pedreiro pelo bairro. E era bem requisitado para esse trabalho. Principalmente pelas mulheres. Mulheres. Esse era um dos grandes motivos de estar sempre se envolvendo em confusões.
Certa vez resolveu se envolver com a mulher do Tonicão. Acabou saindo dessa enrascada sem um arranhão sequer. Tonicão era temido pelas ruas da Freguesia. Crescera junto com Giba. Alguns lembram ainda como se fosse hoje, os dois moleques correndo pelas ruas do bairro logo após aprontarem mais uma das suas – como, por exemplo, roubarem um bolo inteiro na padaria da esquina.
Mas os anos se passaram e seguiram rumos diferentes na vida. A culpa foi da Rose também. Ela observava Giba a distância. Falava pras amigas do desejo que sentia pelo rapaz. Do corpo bronzeado, definido, malhado. Dos lábios carnudos, da mão áspera, da ginga exibicionista. E ele era. Tinha noção da inquietação que causava nas mulheres da rua em que morava. Não se preocuparam com Tonicão. Esqueceram o medo por alguns instantes. O suficiente para a consumação do ato carnal.
Não se sabe exatamente como, mas o marido dela ficou sabendo. Espancou Rose. Não muito. Amava-a. Prometeu acertar as contas com o malandro ladrão de mulheres. Encontraram por acaso e após discutirem, ouviu-se um tiro. Tonicão havia atirado para o alto. Só pra assustar. Giba, malandro que era, conseguiu escapar. Na verdade, foi só um susto. Para não aprontar mais com mulher de amigo. Acabou sendo perdoado. As lembranças da infância falaram mais alto. A promessa de não ver ou encontrar-se mais com Rose foi selada.
Nunca se soube que houvera se apaixonado por alguma moça. Costumava dizer que tinha nascido livre e assim se manteria até o fim de sua vida. Paixões, viveu várias. Mas nunca as levou a sério. Muitas choravam e brigavam por ele. Isso, de certa forma, inflava seu ego.
Toda essa história mudou depois que Sandrinha foi morar naquela rua. A rua do malandro. A casa, quase ao lado da sua. Sandrinha, morena bonita. Cabelos encaracolados, pele queimada de sol. Olhos amendoados. Lábios carnudos. Verdadeiro convite ao beijo. Sedento. Na rua, dificilmente um homem passava por ela sem percebê-la. Não tinha namorado até onde se sabia. Veio morar ali com os pais e mais dois irmãos. Era moça séria. Não gostava de galanteios baratos para com ela não.
Giba ficou sabendo da chegada de Sandrinha à rua. Sorriu. Faceiro, acreditou que essa seria mais uma que morreria de amores por ele. Não a tinha visto ainda. Mas já deixara bem claro pros amigos que essa não lhe escaparia.
Passou alguns dias e eis que se encontram, pela manhã, por acaso, na saída da padaria. Um esbarrão. O pedido de desculpa do malandro pra moça foi seguido de um largo sorriso. A moça aceitou as desculpas. E cortou o assunto por aí. O malandro ficou encantado com tanta beleza em uma única mulher. Procurou saber com o dono da padaria quem era tal figura tão linda. É a Sandrinha, não conhece não? É a nova moradora da rua, Giba, disse-lhe Jorge, balconista. É moça de respeito e não é pra você não, rapaz. Se enxergue. O pai dela é muito bravo, viu? E ela mesma também é.
Passaram-se dias e Giba não conseguia tirar a imagem de tão linda flor da mente. Não entendia por que tanto interesse, mas queria saber mais sobre a moça. Encontrou-a outras vezes pela rua, e cada vez que a via, o coração disparava. A respiração se tornava ofegante e um gosto estranho inundava-lhe a boca, juntamente com o perfume inebriante que exalava aquela mulher. E ela já percebia que mexia com ele. Mas não lhe dava bola, pois sabia da fama de mulherengo do malandro.
Já não agüentava mais o coração apertado no peito e resolveu lhe falar. Encontrou-a na esquina da rua. Vinha da quitanda.
- Preciso lhe falar.
- Sinto muito. Não posso. Estou apressada. Tenho que fazer o almoço. Estão me esperando.
- Mas é rápido e direto o que tenho pra te dizer.
- Eu sei. Imagino o que seja. Não quero. Não Posso. Por favor, não insista. Vai ser melhor para nós dois. Também o reparo de forma diferenciada e percebo a forma que também me olha. Mas pare por aqui. Não posso e isso basta.
E saiu. Seguiu o caminho até sua casa. Sem ao menos olhar para trás. Giba ficou ali, parado, olhando-a, acompanhando com os olhos e ao mesmo tempo indignado. Não pode? Por quê? Que segredo guardaria aquela mulher? Porque a recusa? Não deveria ser casada ou ter alguém, pois nunca ouviu falar nada a respeito. Indignou-se cada vez mais. E a mistura de descontentamento e indignação fazia uma bagunça danada em sua cabeça e em seu coração.
Continuou insistindo. Sempre que podia, tentava lhe falar. A resposta era sempre a mesma. Recusa. Sandrinha passou a ignorá-lo.
Certa vez, viu um carro estacionado na porta da casa de Sandrinha. Dentro, estavam um homem, ela e uma criança. Uma criança pequena. O homem esbravejava muito. Apesar da distância, era possível perceber que Sandrinha chorava. E muito. Aproximou-se então de um dos lados do carro e percebeu que ela tinha o rosto vermelho. A criança choramingava. Aproximou-se mais e perguntou o que acontecia ali, se estava tudo bem. Ela pediu para que ele se afastasse. Foi então que percebeu que um dos cantos da boca da mais linda mulher que tinha visto até então sangrava. O homem, truculento, grosso, disse uma única palavra olhando para Giba e para Sandrinha. Um olhar fulminante. Medonho. De ódio:
- Entendi.
Sandrinha saiu do carro, implorando para trazer consigo a criança, mas ele, sem dizer nada, arrancou o carro em alta velocidade.
Só então Giba soube do casamento, da separação, do ódio do marido por ter perdido a esposa, do desespero da mãe em tentar recuperar o filho. Das chantagens do marido. Ameaçava que se ela não voltasse para ele, desapareceria com Rafael, o filho amado. E faria isso facilmente. Era rico. Poderoso. Influente. Pediu a ele que se afastasse mais do que nunca dela. O marido teria ficado furioso ao vê-lo na porta do carro e poderia lhe fazer mal.
Passaram-se algumas semanas e Giba estava mais próximo agora de Sandrinha. Prometera arrumar um jeito, uma forma de ajudá-la. Não sabia ainda como. Mas acharia.
Sandrinha e Giba agora eram vistos sempre juntos. O malandro havia conseguido. Mais uma vez. Só que agora, era diferente. Amor. Paixão. Carinho. Diferente de tudo que havia sentido até agora. Giba estava apaixonado. De verdade. Até um emprego fixo havia conseguido. Tudo para agradar a amada. Quem não estava gostando nem um pouco de tudo isso, era o marido. Sentia-se traído. Rejeitado. A felicidade no olhar e no sorriso dos dois o enlouquecia. E muito.
- Isso não fica assim. Não mesmo.
Naquela manhã, parecia que o sol brilhava mais forte. Como fazia há anos, Giba, antes de ir para o trabalho, passou na padaria para tomar o café antes. Entrou radiante, cumprimentou a todos com seu jeito malandro moleque de ser. Era possível notar a diferença em seu sorriso, em seu olhar. Era amor. Tomou seu café e saiu. Na porta da padaria, o encontro com o marido de Sandrinha que já o esperava. Sem dizer uma só palavra, saca de uma arma e escuta-se o barulho ensurdecedor de um tiro. Um único tiro. O malandro cai. O malandro Gilberto tomba. O gosto que sentia na boca agora era decifrável. Gosto amargo. De sangue. O cheiro, já não era mais do perfume de Sandrinha. Era de pólvora. O coração, já não tentava mais bater como antes. Percebia a visão turva. Longe, ouviu o grito e os passos largos da amada:
- Não me deixe. Por favor, não me deixe.
Foi tudo o que conseguiu ainda ouvir. Seus olhos cerraram. Seu corpo ficou inerte. Nunca havia se apaixonado antes porque amava a liberdade. Dizia que amor era coisa de tolo. Morreu. Por causa desse amor. Amor de tolo. Amor verdadeiro. Amor que fez parar o coração do malandro. Malandro Giba.
E foi assim que cresceu pelas vielas do bairro em que nasceu, a Freguesia do Ó, na zona norte da capital paulistana. Tinha vinte e poucos anos, era bonito, tinha o corpo definido, avantajado, músculos conquistados durante os "bicos" que fazia como servente de pedreiro pelo bairro. E era bem requisitado para esse trabalho. Principalmente pelas mulheres. Mulheres. Esse era um dos grandes motivos de estar sempre se envolvendo em confusões.
Certa vez resolveu se envolver com a mulher do Tonicão. Acabou saindo dessa enrascada sem um arranhão sequer. Tonicão era temido pelas ruas da Freguesia. Crescera junto com Giba. Alguns lembram ainda como se fosse hoje, os dois moleques correndo pelas ruas do bairro logo após aprontarem mais uma das suas – como, por exemplo, roubarem um bolo inteiro na padaria da esquina.
Mas os anos se passaram e seguiram rumos diferentes na vida. A culpa foi da Rose também. Ela observava Giba a distância. Falava pras amigas do desejo que sentia pelo rapaz. Do corpo bronzeado, definido, malhado. Dos lábios carnudos, da mão áspera, da ginga exibicionista. E ele era. Tinha noção da inquietação que causava nas mulheres da rua em que morava. Não se preocuparam com Tonicão. Esqueceram o medo por alguns instantes. O suficiente para a consumação do ato carnal.
Não se sabe exatamente como, mas o marido dela ficou sabendo. Espancou Rose. Não muito. Amava-a. Prometeu acertar as contas com o malandro ladrão de mulheres. Encontraram por acaso e após discutirem, ouviu-se um tiro. Tonicão havia atirado para o alto. Só pra assustar. Giba, malandro que era, conseguiu escapar. Na verdade, foi só um susto. Para não aprontar mais com mulher de amigo. Acabou sendo perdoado. As lembranças da infância falaram mais alto. A promessa de não ver ou encontrar-se mais com Rose foi selada.
Nunca se soube que houvera se apaixonado por alguma moça. Costumava dizer que tinha nascido livre e assim se manteria até o fim de sua vida. Paixões, viveu várias. Mas nunca as levou a sério. Muitas choravam e brigavam por ele. Isso, de certa forma, inflava seu ego.
Toda essa história mudou depois que Sandrinha foi morar naquela rua. A rua do malandro. A casa, quase ao lado da sua. Sandrinha, morena bonita. Cabelos encaracolados, pele queimada de sol. Olhos amendoados. Lábios carnudos. Verdadeiro convite ao beijo. Sedento. Na rua, dificilmente um homem passava por ela sem percebê-la. Não tinha namorado até onde se sabia. Veio morar ali com os pais e mais dois irmãos. Era moça séria. Não gostava de galanteios baratos para com ela não.
Giba ficou sabendo da chegada de Sandrinha à rua. Sorriu. Faceiro, acreditou que essa seria mais uma que morreria de amores por ele. Não a tinha visto ainda. Mas já deixara bem claro pros amigos que essa não lhe escaparia.
Passou alguns dias e eis que se encontram, pela manhã, por acaso, na saída da padaria. Um esbarrão. O pedido de desculpa do malandro pra moça foi seguido de um largo sorriso. A moça aceitou as desculpas. E cortou o assunto por aí. O malandro ficou encantado com tanta beleza em uma única mulher. Procurou saber com o dono da padaria quem era tal figura tão linda. É a Sandrinha, não conhece não? É a nova moradora da rua, Giba, disse-lhe Jorge, balconista. É moça de respeito e não é pra você não, rapaz. Se enxergue. O pai dela é muito bravo, viu? E ela mesma também é.
Passaram-se dias e Giba não conseguia tirar a imagem de tão linda flor da mente. Não entendia por que tanto interesse, mas queria saber mais sobre a moça. Encontrou-a outras vezes pela rua, e cada vez que a via, o coração disparava. A respiração se tornava ofegante e um gosto estranho inundava-lhe a boca, juntamente com o perfume inebriante que exalava aquela mulher. E ela já percebia que mexia com ele. Mas não lhe dava bola, pois sabia da fama de mulherengo do malandro.
Já não agüentava mais o coração apertado no peito e resolveu lhe falar. Encontrou-a na esquina da rua. Vinha da quitanda.
- Preciso lhe falar.
- Sinto muito. Não posso. Estou apressada. Tenho que fazer o almoço. Estão me esperando.
- Mas é rápido e direto o que tenho pra te dizer.
- Eu sei. Imagino o que seja. Não quero. Não Posso. Por favor, não insista. Vai ser melhor para nós dois. Também o reparo de forma diferenciada e percebo a forma que também me olha. Mas pare por aqui. Não posso e isso basta.
E saiu. Seguiu o caminho até sua casa. Sem ao menos olhar para trás. Giba ficou ali, parado, olhando-a, acompanhando com os olhos e ao mesmo tempo indignado. Não pode? Por quê? Que segredo guardaria aquela mulher? Porque a recusa? Não deveria ser casada ou ter alguém, pois nunca ouviu falar nada a respeito. Indignou-se cada vez mais. E a mistura de descontentamento e indignação fazia uma bagunça danada em sua cabeça e em seu coração.
Continuou insistindo. Sempre que podia, tentava lhe falar. A resposta era sempre a mesma. Recusa. Sandrinha passou a ignorá-lo.
Certa vez, viu um carro estacionado na porta da casa de Sandrinha. Dentro, estavam um homem, ela e uma criança. Uma criança pequena. O homem esbravejava muito. Apesar da distância, era possível perceber que Sandrinha chorava. E muito. Aproximou-se então de um dos lados do carro e percebeu que ela tinha o rosto vermelho. A criança choramingava. Aproximou-se mais e perguntou o que acontecia ali, se estava tudo bem. Ela pediu para que ele se afastasse. Foi então que percebeu que um dos cantos da boca da mais linda mulher que tinha visto até então sangrava. O homem, truculento, grosso, disse uma única palavra olhando para Giba e para Sandrinha. Um olhar fulminante. Medonho. De ódio:
- Entendi.
Sandrinha saiu do carro, implorando para trazer consigo a criança, mas ele, sem dizer nada, arrancou o carro em alta velocidade.
Só então Giba soube do casamento, da separação, do ódio do marido por ter perdido a esposa, do desespero da mãe em tentar recuperar o filho. Das chantagens do marido. Ameaçava que se ela não voltasse para ele, desapareceria com Rafael, o filho amado. E faria isso facilmente. Era rico. Poderoso. Influente. Pediu a ele que se afastasse mais do que nunca dela. O marido teria ficado furioso ao vê-lo na porta do carro e poderia lhe fazer mal.
Passaram-se algumas semanas e Giba estava mais próximo agora de Sandrinha. Prometera arrumar um jeito, uma forma de ajudá-la. Não sabia ainda como. Mas acharia.
Sandrinha e Giba agora eram vistos sempre juntos. O malandro havia conseguido. Mais uma vez. Só que agora, era diferente. Amor. Paixão. Carinho. Diferente de tudo que havia sentido até agora. Giba estava apaixonado. De verdade. Até um emprego fixo havia conseguido. Tudo para agradar a amada. Quem não estava gostando nem um pouco de tudo isso, era o marido. Sentia-se traído. Rejeitado. A felicidade no olhar e no sorriso dos dois o enlouquecia. E muito.
- Isso não fica assim. Não mesmo.
Naquela manhã, parecia que o sol brilhava mais forte. Como fazia há anos, Giba, antes de ir para o trabalho, passou na padaria para tomar o café antes. Entrou radiante, cumprimentou a todos com seu jeito malandro moleque de ser. Era possível notar a diferença em seu sorriso, em seu olhar. Era amor. Tomou seu café e saiu. Na porta da padaria, o encontro com o marido de Sandrinha que já o esperava. Sem dizer uma só palavra, saca de uma arma e escuta-se o barulho ensurdecedor de um tiro. Um único tiro. O malandro cai. O malandro Gilberto tomba. O gosto que sentia na boca agora era decifrável. Gosto amargo. De sangue. O cheiro, já não era mais do perfume de Sandrinha. Era de pólvora. O coração, já não tentava mais bater como antes. Percebia a visão turva. Longe, ouviu o grito e os passos largos da amada:
- Não me deixe. Por favor, não me deixe.
Foi tudo o que conseguiu ainda ouvir. Seus olhos cerraram. Seu corpo ficou inerte. Nunca havia se apaixonado antes porque amava a liberdade. Dizia que amor era coisa de tolo. Morreu. Por causa desse amor. Amor de tolo. Amor verdadeiro. Amor que fez parar o coração do malandro. Malandro Giba.
Boa tarde, moça, tudo bem? Bem, hoje, por acaso, ao acessar a net, deparei com meu texto no teu blog. Fiquei surpreso e ao mesmo tempo, contente. Surpreso ppor vc ter transcrito meu texto em teu blog e nao me mcitado, e contente ao asaber que gostou tanto dele a ponto de publica-lo no teu blog. No mais, obrigado pela homenagem. Abração, mulher.
ResponderExcluirDesculpe mais amei o seu texto Carlinhos
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