Mais de 27 mil mulheres estão atrás das grades no Brasil, e a cada ano a população carcerária feminina cresce 11%, enquanto o número de homens presos aumenta 4%. Os dados são do Ministério da Justiça e não ficam muito distantes da realidade fluminense. No Estado do Rio de Janeiro, segundo levantamento da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), há 1.142 presas. Cada detenta custa ao Estado aproximadamente R$ 1 mil.
Eonde fica pior a maioria das mulheres presa por traficos de drogas ,começa por amor e termina na dor,sem dinheiro e ainda abandonada pelos companheiros e parceiros .
O juiz de Nísia Floresta, Marcus Vinícius Pereira Júnior revela que na Penitenciária Estadual de Alcaçuz (em Nísia Floresta) é comum mulheres sendo detidas com droga nos órgãos genitais. A situação é tão grave que de dez mulheres presas, sete entram com a droga na vagina e três no ânus. (A dilatação do órgão propicia a colocação do entorpecente no ânus).
Arriscando passar por um grande constrangimento e ficar anos atrás das grades, elas continuam tentando. “Toda semana uma mulher é presa nestas circunstâncias”, explica Marcus Vinícius.
Embora pareça absurdo e pouco inteligente, as mulheres driblam a própria sorte e colocam em risco a liberdade para agradar o companheiro preso. “Por amor”, passam pela revista. Sem roupa, ficam em uma posição onde por meio de um espelho as agentes femininas conseguem visualizar o material introduzido. Quando são questionadas, em regra, a maioria afirma que está com o entorpecente dentro dos órgãos genitais. “Quase sempre elas mesmo retiram a droga da vagina ou do ânus. Algumas insistem em negar, nestes casos, o material é retirado no hospital”.
Em dia de visita, pelo menos 200 mulheres entram na unidade. É impossível revistar todas. São apenas três agentes penitenciárias para a demanda. Um efetivo maior, segundo o magistrado, poderia contribuir para a diminuição de mulheres com drogas na unidade prisional.
O que muita gente não sabe, mas que é uma realidade, é que independente da classe social, as mulheres tentam entrar com o entorpecente em Alcaçuz. A população carcerária, quase na totalidade, são de presos de baixa renda, mas mulheres de classes mais altas também ousam entrar com entorpecente. “Há poucos dias, uma visitante do bairro de Candelária (zona Sul de Natal) foi detida em Alcaçuz”.
Marcus Vinícius lembra que, geralmente, as presas são jovens, tem entre 18 e 30 anos. Junto com a prisão vem a surpresa. O amor acaba, não por parte delas, mas por parte deles. O verdadeiro responsável pela mulher estar atrás das grades é o próprio companheiro.
Marcus conta que são inúmeros os casos em que a mulher passa anos visitando o marido ou o namorado, quando ela é detida tentando entrar na penitenciária com droga para entregar para o companheiro, a história é bem diferente. “O homem após cumprir a pena sequer vai visitar a companheira. Desistem delas”. E as juras de amor eterno? Acabam rapidamente.
Caso recente foi de uma mulher que durante sete anos consecutivos visitou o marido, presidiário de Alcaçuz, faltando um mês para ele receber a progressão de regime, ela (grávida) foi presa com droga na vagina tentando entrar na penitenciária. Foi direto para a prisão. “Ele só visitou a mulher uma vez na Delegacia de Nísia Floresta. Nunca mais apareceu”, diz Marcus Vinicius.
A realidade nua e crua não é suficiente para que as mulheres deixem de se arriscar para levar droga para os “amores”.
Há presos que possuem dívida dentro da penitenciária e a única alternativa para o pagamento é a própria companheira que fazer a ponte entre o mundo exterior e a unidade. São elas que fazem o transporte do entorpecente.
Com a prisão, respondem na justiça por tráfico de drogas. Em tese pode até ser aceito um pedido de liberdade provisória, mas Marcus Vinícius não aceita. “Eu considero que a mulher desafia, o diretor da unidade, o Ministério Público e a justiça, por isso, ficam presas mesmo”.
Troca de cartas amorosas ajuda presas a resgatar a sexualidade e se protegerem do HIV
O "castelar" - fenômeno em que mulheres presas constroem, por meio de cartas, histórias imaginárias de amor com direito até de se encontrar com o príncipe encantado num castelo - foi apresentado em Lisboa pela brasileira Márcia de Lima como possibilidade resgatar a sexualidade das reclusas e prevenir o HIV.
Numa manhã fria e chuvosa dentro da Penitenciária Feminina da Capital - São Paulo, Roberta (nome fictício) nem se lembra dos longos anos que ainda terá que ficar presa. Ela está ansiosa para receber uma carta de amor que vem de outro presídio do Estado.
Há alguns meses, Roberta começou a "castelar" com um homem que nunca viu pessoalmente, mas que já sonha em casar, com direito a uma grande festa na praia, muita comida, bebida e, claro, vestida de branco e perfumada com aromas de rosas vermelhas.
Além de distrair milhares de presas como Roberta, o castelar, que vem da ideia de criar um castelo, resgatou a sexualidade e contribuiu para a discussão da prevenção do HIV e de outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) entre as reclusas, explicou a técnica em saúde Márcia de Lima.
Representando a unidade Santana do Serviço de Assistência Especializada em DST/Aids da Prefeitura de São Paulo, Lima ganhou destaque entre as apresentações do III Congresso da Comunidade de Países de Lingua Portuguesa sobre HIV/Aids, que terminou na semana passada em Lisboa, Portugal.
"Quando falamos no castelar, os olhos das presas brilham. Elas consideram uma viagem com a caneta. Pela troca de cartas elas conseguem imaginar até o tipo de sexo que desejam", disse a palestrante.
Inspiração para a pesquisa do seu mestrado em 2004 e do seu atual doutorado, Lima contou que a descoberta do castelar surgiu pela percepção da baixa adesão das presas ao serviço de visita íntima.
Segundo a técnica em saúde, apesar de ser uma grande conquista para as internas, a visita íntima liberada para elas em 2001 é muito mais desconfortável em comparação as que os homens recebem, já que as presas só têm direito a essa regalia uma vez por mês num período máximo de duas horas e com a obrigatoriedade de ser com o já determinado parceiro fixo.
"Percebemos que dessa maneira tão regrada elas não gostavam, além do que o fato de estarem presas e de certa forma serem as mais interessadas pela visita, o poder delas em exigir o preservativo diminuía muito", disse Lima.
Entretanto, no castelar não há espaço para brigas nem para o medo da infecção do HIV, explicou a palestrante. "É um arranjo que elas encontraram para viver um amor de verdade e protegido".
Assim como Roberta, a maioria das presas que castelam acredita que quando saírem das prisões terão seus amores esperando nas portas dos presídios para colocarem em prática a construção do castelo que sonharam durante muito tempo.
Aids nos presídios femininos
Em 2006, uma grande campanha pelo fim da violência contra as mulheres divulgou alguns dados sobre as mulheres encarceradas.
Segundo essa campanha, a população prisional feminina do Estado de São Paulo era composta por mulheres jovens (77% tinham menos de 35 anos), 53% delas afro-descendentes, com baixo grau de escolaridade (84% não ultrapassaram o ensino fundamental/1º grau), com internações anteriores em instituições como a FEBEM (54%), histórico de violência conjugal (51%) e maternidade precoce (78% delas foram mães antes dos 21 anos).
A incidência de HIV/aids nos presídios femininos do Estado de São Paulo estava em torno de 18%, contra 11% entre dos homens.
Todas estão cumprindo suas penas no Complexo de Gericinó, em Bangu, na Zona Oeste: são 330 na Penitenciária Talavera Bruce, 492 no Presídio Nelson Hungria, 300 na Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza e 20 atualmente estão na Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcutá. A maioria delas está sem vagas ou próxima da lotação esgotada. Enquanto a Nelson Hungria possui capacidade para 432 presas e atualmente está com 492, na Talavera Bruce restam apenas 8 das 338 vagas.
O delegado Marcus Vinícius de Almeida Braga, titular da Delegacia de Combate às Drogas (DCOD), acredita que a maioria das mulheres acaba se envolvendo com o crime para auxiliar irmãos, namorados e maridos. Uma delas, apontada pela Polícia como maior fornecedora de armas e drogas da facção criminosa Terceiro Comando Puro (TCP), principalmente dos traficantes Márcio José Sabino Pereira, o Matemático, 34 anos, e Nei da Conceição Cruz, o Facão, 37, foi presa em agosto do ano passado.
Irmã de Marcello Fernandes Campos Oliveira, o Magaiver, 39, – que cumpre pena por seqüestro e assalto na Penitenciária Laércio da Costa Pellegrino (antiga Bangu 1), também no Complexo de Gericinó – ela vendia armas e drogas para traficantes da facção criminosa Comando Vermelho (CV). Antes de ser presa, ela fornecia armamento e drogas principalmente para os morros Chapéu Mangueira, no Leme, e Dona Marta, em Botafogo, ambos na Zona Sul do Rio e controlados pelo CV.
Após sua prisão, ela se apaixonou por Márcio Dinnali Fontes, o Morte, 37, criminoso de uma facção rival. De acordo com a Polícia, ele era o executor do TCP dentro da Penitenciária Industrial Esmeraldino Bandeira, também no Complexo de Gericinó.
“Ele é mais conhecido e respeitado dentro da cadeia, onde esquartejava desafetos por ordem de sua facção”, explicou um dos policiais que participou da prisão de Patrícia Fernandes Pereira Campos de Oliveira, a Morena do Pó ou Pati, 42, revelando que ela receberia uma carga de 100 quilos de cocaína e venderia cada quilo por R$ 17 mil.
“Ela já estava fazendo contatos para que, quando a droga chegasse, já estivesse tudo vendido”, disse o policial, contanto que, além de Facão e Matemático, outros seis traficantes já teriam encomendado parte da cocaína: Celso Luís Rodrigues, o Celsinho Russo, 46, da Favela Vila Vintém, em Padre Miguel; Fernando Gomes da Silva, o Fernandinho Português, 39, da Favela do Fumacê, em Realengo, ambas na Zona Oeste; Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nêm, da Favela da Rocinha, na Zona Sul; e Jorge Porfírio de Souza, o Dinho, 30, do Morro da Serrinha, em Madureira; além de seus irmãos, Neco e Adilson, do Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho, ambas na Zona Norte.
Apontada como líder de uma quadrilha de tráfico internacional de material entorpecente e armamento que atuava no eixo Rio-São Paulo-Minas Gerais e Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, a matuta – que nasceu em Juiz de Fora – foi presa por agentes da Coordenadoria de Informação e Inteligência Policiais (Cinpol), no final da tarde do dia 12 de agosto do ano passado, no encontro da Rua André Rocha com a Estrada dos Bandeirantes, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio.
Investigações da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal demonstraram que ela abastecia as bocas-de-fumo de favelas do Rio de Janeiro, sendo a principal responsável pela importação das drogas, das armas e das munições provenientes da Bolívia e do Paraguai. Presa pela PF em 1994, ela foi condenada a 35 anos e seis meses de prisão por tráfico de drogas, associação para fins de tráfico e contrabando de armas e munições e estava evadida da Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza, antiga Bangu VIII, no Complexo de Gericinó, em Bangu, desde dezembro de 2008.
Quatro meses após a prisão da Morena do Pó, outra mulher apontada como matuta foi presa. Desta vez, no bairro Ilha da Conceição, em Niterói. Mulher do traficante Carlos Vinícius Lírio da Silva, o Cabeça, e conhecida como Dama do Pó, Rafaela dos Santos Rocha, 27, é apontada pela Polícia como responsável por controlar os negócios do marido na Favela do Sabão, no bairro São Lourenço, também em Niterói.
Ela foi presa por policiais da 36ª DP (Santa Cruz), no dia 14 de dezembro. No dia seguinte, os agentes apreenderam dois aparelhos de telefone celular na cela em que Cabeça cumpre pena, há quatro anos, na Penitenciária Jonas Lopes de Carvalho (antiga Bangu 4), no Complexo de Gericinó. Ele foi preso, em 2005, depois de participar da tentativa de resgate dos traficantes Edmilson Ferreira dos Santos, o Sassá, 34, e Marcélio de Souza Andrade, 29, no dia 27 de dezembro daquele ano.
Os dois e outros cinco detentos seguiam para o Fórum da Ilha do Governador para depor, acompanhados por apenas dois policiais civis, quando aconteceu o resgate. Na ação, os policiais Luiz Hermes Ferraz Dantas, 43, e Fernando Guilherme Medeiros Queiroz, 53, acabaram metralhados e suas armas – duas pistolas .40 e um fuzil – foram roubados.
Natural da Favela da Linha da Leopoldina, no Barreto, Marcélio era braço-direito de Sassá, considerado um dos maiores atacadistas de drogas do Estado e integrante da facção criminosa Amigos dos Amigos (ADA). Ele também chefiava o tráfico na Favela do Sabão, no Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho, e na Favela Vila dos Pinheiros, no Complexo da Maré, em Bonsucesso, ambos na Zona Norte do Rio. Ele foi encontrado morto, uma hora após a fuga, vestindo um colete da Polícia Civil. O corpo estava em mata fechada ao lado do campo de treinamento da Força Aérea Brasileira (FAB), na Ilha do Governador.
Desde então, mesmo preso, Cabeça assumiu o controle do tráfico no Sabão e na Favela do Aço, em Santa Cruz. Ele controlava as bocas-de-fumo e dava as coordenadas para a mulher, responsável pela arrecadação do dinheiro da venda das drogas, por buscar correspondências no presídio, e até pela distribuição do entorpecente nas duas comunidades.
Ela teve a prisão decretada pela 2ª Vara Criminal de Santa Cruz com base em escutas telefônicas feitas nos dois celulares que estavam com o marido na cela de Bangu 4, onde ele cumpre pena de 50 anos de em regime fechado pela execução dos policiais. A prisão de sua mulher ocorreu oito meses após a volta dela ao Brasil. Em uma tentativa de afastar a filha do traficante, os pais de Rafaela chegaram a mandá-la para os Estados Unidos, onde ela morou durante dois anos, na cidade da Pensilvânia. Ela havia acabado de comprar uma casa no bairro Venda da Cruz, em São Gonçalo. Segundo a Polícia, para lavar o dinheiro do tráfico.
Em junho de 2008, 72 mulheres ingressaram no sistema carcerário do Estado do Rio de Janeiro, já julgadas e condenadas por tráfico de drogas. De janeiro a junho do ano passado, foram 122. Apenas uma delas, a Morena do Pó, apenada por tráfico internacional de drogas.
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