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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Amor bandido: a prisão fora da cela


Renata, 18 anos, pegou o primeiro ônibus do dia - às 4h40 - para sair de sua casa, em Cariacica, com destino à Serra. Jovem, linda, cabelos encaracolados, cheirosos e macios, ela enfrenta mais de três horas de fila para entrar em um lugar aonde ninguém quer ir. Toda semana ela vai visitar o marido, preso há três meses por falsificação de documentos, numa cadeia que abriga mais de 200 homens.

Durante quase metade do tempo de casada - sete meses -, período em que muitos casais ainda estão em clima de lua de mel, Renata tem que se sujeitar às rápidas visitas íntimas permitidas dentro de uma cela úmida e fedorenta, ocultadas apenas por um lençol velho, "de onde ninguém se atreve a chegar perto", garante.

Faltam privacidade e conforto: "A 'jega' (como é chamado o local de visitas íntimas dentro da cadeia) é menor do que o banheiro da minha casa", conta Renata. Mesmo assim, a visita pode significar aumento da família. Morando com a sogra e sem estudar desde que casou, ela não usa nada para prevenir uma possível gravidez, mesmo sem o marido ter sido julgado. "Desde que a gente casou não tomo pílula, mas não consegui engravidar. Justo agora, que estou querendo tanto", lamenta, confiante de que o companheiro, office boy, será solto em breve.

Filhos

Na porta de outra cadeia, Bianca, 21 anos, conseguiu realizar o sonho de Renata e de tantas outras mulheres que, como ela, estão presas mesmo sem ter grades e muros em volta. Sua filha de um ano foi "feita" durante uma das muitas visitas íntimas, ao longo dos três anos que o marido está preso. A menina vê o pai - preso por colocar fogo em um ônibus - quinzenalmente.

Não poder contar com a ajuda do pai não foi empecilho para Josi, 25 anos, casada há cinco, três filhos, dois deles feitos dentro da prisão. "Tem quase dois anos que meu marido está aqui - na Penitenciária de Segurança Máxima I, em Viana - mas desde que a gente se conhece ele vai e volta da cadeia o tempo todo", admite, sem esconder que o conheceu enquanto estava "de fuga".

O bebê mais novo, de um mês, nunca viu o pai, já que as visitas de crianças só são permitidas a cada dois meses. Condenado a mais de 20 anos de prisão por diversos crimes, ele provavelmente não vai fazer parte da vida dos filhos. "Não sei quanto tempo eu vou aguentar ficar vindo aqui. Não vou virar avó no meio da cadeia", destaca.

Casamento

O tempo de espera não assusta Jenifer, 23 anos, que se casou - de papel passado e tudo - há quatro meses, dentro da cadeia. O marido está preso há 7 anos, com mais uns 20 por vir. São tantos crimes no currículo que ela nem conta mais. "Tem homicídio, tráfico, um pouco de tudo", admite, sem peso na consciência. Como se conheceram?

Com o amor atrás das grades, Jenifer, que não estuda nem trabalha, ainda mora com os pais. "Meu pai sabe e desaprova, mas ele nem fala nada, acho que para não se aborrecer", aponta ela, que está planejando engravidar no próximo ano. "Quero, no máximo, dois filhos", calcula.

Sem o mesmo brilho nos olhos, a manicure Francisca, 34 anos, tem vergonha de levar os dois filhos, de 17 e 15, para visitar o pai na cadeia. Ele foi preso há três anos, quando estava trabalhando como "mula" para o tráfico, juntando dinheiro para pagar dívidas. "Daqui a pouco ele vai poder ir para o regime semi-aberto. E depois que acabar a pena nós vamos embora do Estado, começar de novo", planeja. Casada há 18 anos, Francisca nem cogita abandonar o marido.

Em meio ao trabalho e ao cuidado com os filhos, ela passa a semana em função da prisão. Aos sábados, se enfeita e se perfuma para a visita íntima. Aos domingos, quinzenalmente, é a vez das visitas familiares, em que leva um dos filhos - só entram duas pessoas por preso - e dois quilos de alimentos, além de refrigerante, água e sobremesa. Na quarta-feira, é dia de levar o malote, entregue na portaria da prisão, com alimentos e produtos de higiene para o marido usar durante a semana.

A preparação começa sempre no dia anterior. No sábado, quando só pode levar dois litros de refrigerante, ela sai de casa às 4 horas da manhã, para ser uma das primeiras da fila. Às 13 horas, quando termina a visita, Francisca ainda vai para o salão onde trabalha, para tentar recuperar o dia de trabalho perdido.

Mas prejuízo mesmo teve Eunice, 33 anos, cujo marido foi preso por assalto a bancos. Ela vendeu tudo o que tinha, - casa, carro, jóias - para pagar advogado. Morando na casa da mãe, em Minas Gerais, ela vem para as visitas quando dá. Os filhos, de 15, 12 e 4 anos, quase nunca vêm ver o pai, porque não sobra dinheiro para a viagem.

A espera

Esses e outras dilemas viram tema de um verdadeiro fórum na fila de espera para entrar no presídio. Na porta das prisões, uma comunidade se forma entre as mulheres de quem está lá dentro. Elas riem, falam sobre a rotina, trocam dicas de beleza, brincam umas com as outras. Em meio a cremes hidratantes e maquiagem - "para ficar bonita, senão o marido reclama" - a maior preocupação parece ser descongelar o refrigerante até a hora da entrada, já que não entra nada com gelo na penitenciária de segurança média.

Tanto assunto e tanta atenção dispensada a uma garrafa de plástico talvez sejam uma tentativa de disfarçar a tensão que elas sentem com a proximidade da entrada, e da temida hora da revista.

A convivência entre elas acaba extrapolando o tempo de espera. Uma acaba ajudando a outra também nos outros dias da semana. "A metade daqui vai na festa de aniversário da minha filha. Na semana passada ela passou mal e eu não pude vir à visita íntima. Liguei para a Cléria e pedi para ela avisar quando chegasse aqui. Ai de mim se não desse uma satisfação", conta a vendedora Rosana, 25 anos, outra que fez um filho dentro da cadeia. Apesar da vontade de ver o parceiro, a visita íntima parece ser mais uma obrigação a cumprir.

Evangélica, Penha, 33 anos, chegou até a fazer greve de sexo logo que o marido foi preso, há cinco meses. "Não achava certo e nem me sentia à vontade. E foi uma forma de castigá-lo também, por ele ter se metido com coisa que não presta. Mas depois acabei cedendo. Afinal, a gente tem que ver o lado deles, que estão presos lá dentro", resigna-se a auxiliar de serviços gerais, que tem três filhos a ajuda a criar o enteado, fruto do primeiro casamento do marido.

Amor materno

Resignação é também o sentimento de quem não pôde escolher entre amar ou não alguém que está atrás das grades. "É muito triste você criar um filho com todo amor e ter que passar por uma situação dessas, de ter que vir visitá-lo na cadeia", conta Etelvina, 43 anos, mãe de um traficante condenado a 4 anos. Dois meses depois que o filho foi preso, a nora bateu na porta de Etelvina: deixou o neto para ela cuidar e foi embora.

Com o filho de 21 anos preso há 4 meses num DPJ, a auxiliar de enfermagem Sônia se recusa a aceitar o tratamento dado ao filho. "Isso aqui não recupera ninguém. É um depósito de jovens, meu filho não merecia estar aqui", conta ela, que dobra os plantões no hospital para poder tirar a quinta-feira de folga e visitá-lo.

Ao contrário de Sônia, tem mãe que até prefere o filho preso. A dona de casa Maria da Penha, 43 anos, está satisfeita desde que o filho foi transferido para a Penitenciária de Segurança Máxima, em Viana.

Apesar da dor, as visitas de Sônia também não são frequentes. "Não venho sempre não, que é para não dar colher de chá e ele perceber o quanto é importante fazer as coisas certas e continuar lá fora", destaca, entre lágrimas.

Olhando de fora, é difícil entender o que leva uma pessoa a se trancafiar dentro de uma cela, quando tem a liberdade de ir aonde quiser. Mas a opção de ir embora pode existir apenas na teoria.

Apesar da reincidência do parceiro, Patrícia confia que ela e sua família vão ter dias melhores.

Maridos são raros na visita a presídio feminino

A cena é rara: com um filho pequeno no colo e segurando a mais velha pela mão, o polidor Cristiano Xavier, 29 anos, sobe a ladeira que dá acesso à penitenciária feminina de Tucum, em Cariacica, em pleno domingo pela manhã.

Ele vai visitar a esposa, de 33 anos, presa há um mês e meio. "Ela estava conversando na rua com uns amigos, alguns deles estavam com drogas e todo mundo acabou pagando o pato", conta Cristiano, exceção entre os visitantes do local.

A maioria na fila para Tucum é de mães. Os poucos homens na maioria das vezes são filhos ou irmãos das presas. Cristiano sabe bem o porquê. "O cara é humilhado aqui dentro. Tem que abaixar um monte de vezes, esticar o pênis para os lados. Não é qualquer um que aguenta", confirma.

Irmã de uma presa, Sheila vai todo domingo levar comida. "O marido dela não vem, por causa do constrangimento na hora da revista", explica. Mas a ausência de homens pode ser notada nas filas de todas as prisões. "Eu venho para trazer minha mulher, mas prefiro não entrar", conta Carlos, cujo filho está preso há dois anos.

Já Cristiano não se conforma só com a visita. Ele pediu demissão para conseguir dinheiro para pagar advogado para a mulher. "Estamos esperando marcarem a primeira audiência. Tenho fé que ela vai sair logo daqui", conta ele, que também vai toda quarta-feira a Tucum para levar o malote.

Reclamações não faltam para quem espera na fila da visita

Quem espera na porta da cadeia não tem nenhuma regalia. "Faltam banheiros pra gente usar e cobertura também, para proteger do sol e da chuva. Isso sem falar que a comida que trazemos é toda misturada e jogada fora se exceder o limite", conta a dona de casa Graça, 32 anos, cujo marido está na Penitenciária de Segurança Média II, em Viana.

A própria Secretaria Estadual de Justiça (Sejus) admite que a estrutura das prisões antigas não foi preparada para abrigar os visitantes. "Estamos mudando isso à medida em que as novas unidades vão sendo construídas", destaca o secretário, Ângelo Roncali.

Ele aponta que já houve tentativas de colocar banheiro químico do lado de fora da Casa de Custódia de Vila Velha (Cascuvv), mas eles foram incendiados. "De fato, a reclamação procede, mas estamos fazendo o possível para minimizar essas questões até que novas unidades sejam construídas ou as mais recentes sejam reformadas", destaca o secretário.

Mas a comida servida aos detentos, sem dúvida, é o maior fator de insatisfação. "Na última semana, tinha lacraia nas marmitas que chegaram para as presas. Nem meu cachorro consegue comer aquilo", dispara a mãe de uma das detentas de Tucum, Célia, 52 anos.

Para Roncali, a questão da comida é complicada. "Há uma resistência muito grande, principalmente no presídio feminino, quanto à comida, porque elas querem aumentar o volume. Mas a entrada de qualquer coisa no presídio pode criar um descontrole na segurança", aponta o secretário, frisando que a comida é terceirizada e sai lacrada da empresa onde é feita.

Segundo ele, a tendência é diminuir gradativamente a entrada de objetos levados pelos visitantes. Atualmente, das 21 unidades prisionais do Estado 10 não aceitam quase nada. Na Penitenciária de Segurança Máxima I, em Viana, os presos podem receber apenas um desodorante roll-on, duas fotos e uma bíblia, sem capa. Toda a alimentação e material de higiene são fornecidos pelo Estado.

Outro Lado: Princesas às avessas
Kirlla Dornelas - Mestre em Psicologia

Cada relação tem uma dinâmica própria, por isso, vendo de fora, é difícil encontrar motivos para sua manutenção, independentemente de ela ser considerada nociva ou não. Para a mulher jovem, uma relação com um criminoso pode render status e também valorização. Elas não podem ser tocadas, têm um homem que depende da visita delas, são como princesas às avessas.

Além disso, tem a questão da indisponibilidade. Como não há convivência, não há espaço para brigas, para que o relacionamento se desgaste, o que acaba contribuindo para a idealização desse amor. Esse romantismo também explica porque há mais mulheres do que homens nas filas de visita.

As mulheres conquistaram muitas coisas ao longo dos últimos anos, mas para a parcela pobre da sociedade, a maternidade e o casamento continuam sendo os principais objetivos, até como forma de emancipação. Por isso elas se sujeitam a ficar com o homem que está disponível, qualquer que seja a situação.
Mulheres visitam maridos presos em penitenciárias e lutam para manter o afeto mesmo com a falta de privacidade e conforto.
Reportagem      
Diante da excelente reportagem, me veio aquele velho brocardo: "cada um com seu cada um", ou seja, o que as vezes é pouco para você, pode ser muito para quem não tem nada! A cruz tá lá no canto...tem a de concreto, madeira ,aço e isopor cada um escolhe a quer carregar nesta vida..tem muita mulher que vai encontrar seu amor dentro da prisão são muitas, não podem reclamar desse amor bandido..
 Então ser guerreira e sofrer as vezes calada pq de verdade a sociedade nunca entendera o que e se apaixonar por um detento e mas ainda por um cara que na sociedade e mal visto.

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