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sábado, 3 de setembro de 2011

Como vivem os casais que moram nas ruas Pensar na felicidade do outro e ter e um bom “cobertor de orelha” nas frias noites de inverno de SP ajudam a unir os apaixonados


Casados, sim. No papel? Não. Mas, e daí? O mais importante em uma união estável não
 são o respeito, a parceria e o amor? Neste caso, os casais moradores de rua mostram
 que a condição em que vivem não interfere na manutenção da relação. E conseguem ter
 uma vida quase normal. “À noite, a gente se cobre e faz um amor gostoso na rua.
 Já era”, conta o espontâneo e debochado carioca Ramon Oliveira da Silva, 23,
casado com a paraguaia Liz Francieli Gonzalez, 29, que não se sente muito
confortável com a situação. Mas se adapta. “É bom. Mas eu preferia que fosse em casa.”

Ramon e Liz conseguiram sair da rua, mas voltaram por causa do vício dele
 Agora, ele quer melhorar de vida por ela


Os dois passam os dias (e as noites) em um pequeno espaço da Praça Dom 
José Gaspar. Cobertores e mantas espalhadas pelo chão marcam o território,
 ocupado por outros companheiros sem-teto. Silva está nas ruas de São Paulo
 há dois anos; Liz, há oito meses - o mesmo tempo de duração do relacionamento. 
O casal já até tentou viver em um apartamento. Mas não funcionou. 
“A gente ia noivar. Mas, enquanto eu saía para trabalhar, ele pegava as 
coisas de casa e vendia para comprar droga. Perdemos tudo e voltamos 
 para a rua”, diz Liz. “Agora, estamos pensando em construir tudo de novo.



O jovem Silva confessa: “Uso de tudo.” São tantas as drogas que ele nem 
cita o álcool, relegado a segundo plano. Ela é mais contida. “Eu sou mais
 de beber. Só uso crack de vez em quando. E com ele”, diz ela, que, nos 
 últimos oito meses, engravidou duas vezes do companheiro. “Perdi os dois”.



É a vida dos sonhos de um casal? Independentemente de conceitos e respostas prontas,
 amor não falta. “É amor verdadeiro”, declara, convicto, Silva. Ele fala de 
seus planos com Liz. “Casar, casar e casar. Ter filhos com minha mulher
. E também sair da rua. Gosto da rua. Me sinto livre, sem horários para
 acordar ou dormir. Mas não quero mais isso para ela.” “Nos primeiros
 dias na rua, não me acostumava. Depois, acostumei. Mas quero sair”, sonha a paraguaia.
“Estou grávida de gêmeos”
Nem a diferença de 24 anos de idade importa para o casal Antonio Luiz
de Oliveira, 26, e Elizabete Miranir de Oliveira, 50. Moram na Praça da
 Sé há anos. Estão juntos há apenas quatro meses. Mas garantem estar
apaixonados. “Somos casados de rua”, brinca ela. “Ele é meu amor
. Desde que ficamos juntos pela primeira vez, não nos separamos mais”,
 completa Elizabete, mineira de Guaxupé. “Ela é minha companheira.
 Está todo dia comigo. Ninguém mexe. Protejo e cuido dela”, detalha Oliveira,
nascido em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

Foto: Amana Salles/Fotoarena
Antonio e Elizabete perderam a casa e a profissão por causa do alcoolismo


Elizabete mostra, com orgulho, sua barriga. “Estou grávida de gêmeos.
” Ela diz estar feliz com a gestação, mas não esconde a preocupação
. “Quando soube, só chorava, chorava, chorava... De vez em quando
, ainda tenho crises de choro”, relata. Ele assume a responsabilidade.
 “Agora, eu tenho que fazer o corre. Fico pedindo ali”, disse, 
apontando para a calçada em frente a uma loja do comércio local. 
“Sou esmoleiro, pedidor”, define ele, que calcula ganhar entre
 R$ 20 e R$ 30 por dia. “Garanto a comida dela”, afirma.



Os dois, antes de viver nas ruas, tinham casa, família, dinheiro, profissão.
 O alcoolismo foi o que os levou a perder tudo. “Vim para a rua por
 causa da cachaça também. Não uso droga nenhuma.
 Só cachaça mesmo”, conta ele.

O vício tirou de Elizabete, ela diz, uma carreira em Direito.
 Ele, era marceneiro de “mão cheia”. “Fazia móveis projetados
”, lembra Oliveira, há sete anos perambulando pelas ruas paulistanas.
 “Ele é novinho de rua. Eu estou há 30 anos”, compara. Para minimizar 
o efeito do frio nas noites de inverno, ela dá a receita. 
“Durmo enroscada, enrolada nele.”

Elizabete diz ser seu primeiro relacionamento sério nas ruas. Ele conta já ter
 sido casado. Mas a história não teve final feliz. “Minha ex-mulher morreu de
 overdose por causa de crack, no banheiro do Metrô.”
“Não dá para ficar longe da minha mulher”

Viver e dormir nas ruas pode ter lá seus contratempos. Mas é muito melhor enfrentar as noites ao relento junto de seu amor do que encarar um albergue. Pelo menos, é desta forma 
que pe
nsam Bruna Aparecida Gomes, 21, e seu marido, Jonathan de Jesus Manta, 20.
 “Para dormir separado do meu marido, prefiro dormir na rua”, diz ela, categórica.
 “Não dá para ficar longe da minha mulher”, afirma ele, quase em uníssono. Nos
 albergues, homens e mulheres dormem em quartos separados.

Diferentemente da maior parte dos casais moradores de rua, eles não bebem
. Também são mais privados. “Tem gente que consegue namorar na rua.
 Eu não consigo. Só em hotel”, garante Bruna. “A gente vai lá, faz o
 que tem que fazer, toma um banho e sai
. Tem hotel baratinho, por R$ 5”, completa Manta.

Mesmo muito jovem, o casal tem larga experiência na rua. Ele, que nasceu 
na cidade de São Vicente (litoral paulista), está há 11 anos nesta situação; 
ela, da zona norte da Capital, há 13. O motivo, garantem, foram divergências 
familiares. Ela discutia muito com a mãe. Ele não gostava do padrasto.
 “Eu tinha amigos que já moravam na rua. Vim para conhecer e acabei
 ficando. Tenho família. Mas não consigo mais ficar na minha casa. Na
 rua não tem minha mãe para ficar falando”, relata Bruna. Já Manta resume: 
“Não fui com a cara dele [padrasto].”

Nem em tudo são diferentes dos outros casais, no entanto. Os planos
 são os mesmos dos demais apaixonados das ruas ou de qualquer lugar:
 casar e melhorar de vida. “Mais para frente, quero sair da rua, sim, e ter 
uma casa, levar uma vida normal”, planeja ele. Enquanto isso, sabe como 
esquentar as noites frias nas ruas da Capital. “Nessas horas, ter uma mulher
 é a melhor coisa. Dormir junto com alguém, ainda mais com alguém que a
 gente gosta, é muito bom.”

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