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sábado, 24 de setembro de 2011

A rotina de mães e mulheres de presos

À custa de economias e dificuldades, esposas e mães de detentos se esmeram para enviar a eles, religiosamente, a cesta básica de produtos de higiene, roupas e comida essencial para sobreviver na cadeiaAndrei Koga
O discurso das quatro mulheres que serviram de fonte para esta reportagem é essencialmente o mesmo: elas trabalham a dupla jornada e gastam quase tudo o que têm para cuidar de maridos e filhos. Mas não se trata do exagero que permeia muitos discursos femininos. O quarteto lida com uma condição delicada e angustiante: seus maridos e filho são presidiários. Quando se trata de enviar o jumbo, cesta básica de alimentos, roupas e produtos de higiene, via correio ou mesmo visitar seus familiares, sobra muito trabalho e falta dinheiro. Enquanto cedem a entrevista para Época São Paulo, vigiam os filhos que correm em volta e olham a panela que deixaram no fogo, se sentem mais seguras para criticar o tratamento recebido por elas e pelos parentes. Marta, Carla, Jaqueline e Cleide* gastam até 500 reais para enviar pelo correio, pelo menos uma vez por mês, caixas forradas com produtos de higiene, doces, camisetas, cobertores, tênis e cigarro. Nem tudo pode ser enviado, seja pela quantidade, em geral 12 quilos por envio, ou pela periculosidade, ou seja, alimentos perecíveis ou que podem servir de esconderijo para armas (como ovo de páscoa ou biscoito recheado) e objetos que podem ser transformados em armas (como calçados com fivelas). Roupas “incrementadas” – o que pode significar apenas uma camiseta com duas cores – também estão proibidas para não violar o padrão de vestimenta dos detentos.
Andrei Koga
Cleide, 31 anos, diarista e mãe de quatro filhos, completa quase oito anos na rotina quinzenal de enviar, por correio e pessoalmente, o jumbo de um familiar. Primeiro foi para o irmão, que ficou preso por cinco anos; agora é o marido, preso há quase dois anos na Penitenciária ASP Joaquim Fonseca Lopes, em Parelheiros. Num só jumbo, ela chega a pagar 50 reais apenas pelo envio, além do valor dos produtos que vão dentro da caixa. “Direto você manda coisa boa e trocam por outra de qualidade pior. E a gente não pode falar nada, porque podem repreender nosso marido na cadeia”, reclama. Jaqueline, 43 anos e mãe de Pedro, gastou mais de 100 reais num jumbo que mandou no Natal de 2009 e ainda não foi entregue. “Eles dizem que não depositei a encomenda, mas tenho o comprovante”, afirma ela. Ela esfrega as mãos, de frio e incômodo, quando fala do filho detento na Penitenciária Compacta, em Osvaldo Cruz, interior de São Paulo. Ele tem 20 anos, “um menino bonito”, ela diz, “tanta coisa pra fazer ainda”. Quando escreve à mãe, Pedro diz que tem fome, e que à noite toma 12 copos de água pra ludibriar o vácuo no estômago e conseguir dormir. “É de cortar o coração”, diz. Além de preparar o jumbo e responder às cartas dele, educa outros três filhos que “se Deus quiser, não vão pelo mesmo caminho”.

Vale a pena Para visitar o marido em Guarulhos, na Penitenciária Desembargador Adriano Marrey, Marta, 33 anos, sai de casa às cinco da manhã, chega no destino uma hora depois, e vai para uma pensão nos arredores. A pensão onde ela e outras mulheres ficam, é, na verdade, o barraco de moradores da favela que circunda a penitenciária. Nos barracos, paga-se 10 reais para dormir, dois reais por um banho e cinco para cozinhar. Contando com o jumbo, Marta gasta cerca de 300 reais cada vez que visita o marido, de 15 em 15 dias. “Tudo o que eu ganho é pra ele”, diz ela, que trabalha como manicure. Mais que sabonete e comida, faz falta para o marido um advogado. “Ele tinha que ser julgado há quatro meses. Para pagar um advogado, tenho de tirar do jumbo”, explica.
Carla, 28 anos, viaja mais de oito horas à noite para visitar o marido em Osvaldo Cruz. O ônibus em que viaja é clandestino, mais barato. Ainda assim, ela gasta cerca de 500 reais na viagem, contando com o valor das passagens, pousada, jumbo e a comida que leva para dividir com o marido na cadeia – em geral, pão de forma e frios. “Não consigo comer a comida da prisão, é nojenta. Os presos comem porque estão acostumados. Mas meu marido conta que muitas vezes eles têm que lavar o arroz já pronto e fazer de novo, senão não dá pra engolir”, relata.

Andrei Koga
Depois do descanso na pousada, é hora de ir para o presídio e esperar cerca de três horas na fila. A bolsa, dizem as entrevistadas, deve ficar sempre perto do corpo, vigiada. “Alguém pode levar droga para um preso e acabar metendo na tua bolsa. Não dá pra confiar em ninguém”, diz Marta. O momento mais tenso, segundo ela, é a revista, quando bolsas, roupas e jumbo são vistoriados. Segundo as entrevistadas, certos itens são retidos, como roupas e chocolates de qualidade. “Pegam pra eles”, acusa Marta, enquanto Cleide, Jaqueline e Carla concordam com a cabeça. Depois, ainda na versão delas, as visitantes ficam nuas, agacham-se e abrem as partes íntimas com as mãos para provar que não escondem drogas ou armas no corpo. Em uma ocasião, Marta diz que teve as partes íntimas violadas por uma funcionária. “Me sinto mais tranquila dentro da cadeia, com os presos, do que perto dos funcionários. Você acredita nisso?”. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Secretaria da Administração Penitenciária informa que “é absolutamente improcedente, até mentirosa, a informação de que visitantes mulheres são submetidas a exame de ‘toque’.” No caso de suspeita de portar drogas ou celular ocultos no corpo, a mulher é encaminhada à hospitais onde é feito exame de raio-X, completa a assessoria.

Seja bem-vindo
Cintos ou sapatos com fivela, brincos, anéis e sutiãs com estrutura de ferro não podem ser usados pelas mulheres dos detentos na hora da visita. “Dependendo do humor da funcionária, até maquiagem a gente tem que tirar”, reclama Carla. Há quem opte em alugar peças de roupas com vendedores ambulantes. Mulheres alugam chinelos, calças de moletom e sutiã sem ferro a cinco, 10 reais a peça. O aluguel de barracas e colchonetes a 15 reais também é comum. E dá pra ir mais longe: nos dias de visitas, cabelereiras e manicures – em geral parentes de presos também – aproveitam para ganhar um extra cuidando da aparência das colegas de espera.
A visita dura cerca de quatro horas. Nesse período, as mulheres procuram dar conforto aos seus parentes não só pelo que dizem, mas também pelo que não contam. Para não preocupá-los, elas evitam falar, por exemplo, sobre os esforços para chegar até ali com o jumbo ou mandá-lo via correio. No caso das esposas, a visita íntima acontece num espaço cuja única intimidade é garantida por lençóis ao modo de cortinas.

Na longa fila que se forma diante da cadeia em dia de visita, são raros os rostos masculinos. “Há um ou outro, e sempre mais velho. Em geral, é o pai do preso que visita quando ele não tem mãe ou mulher pra ir”, diz Carla. Para as entrevistadas, as mulheres são emocionalmente mais resistentes e solidárias. “Mas meu marido conta histórias que ele ouve na prisão de mulher que abandonou o marido assim que ele caiu na cadeia, vendeu tudo dele e foi embora com outro”, relata Carla.
Para ela, que nunca havia passado pela experiência de ter um familiar preso, a ida do marido para a penitenciária a obrigou a se despojar de alguns preconceitos, entre eles, o de achar que mães, irmãs e esposas de presos não eram pessoas dignas de confiança. “Achava uma loucura quando amigas e colegas se arrumavam para ir ver o marido preso. Só depois eu percebi uma diferença importante: o fato de eles terem errado não significa que a gente errou também”, afirma Carla.

* Todos os nomes foram trocados a pedido das entrevistadas.




  • 2 comentários:

    1. SOU ESTUDANTE DE SERVIÇO SOCIAL E FAÇO PESQUISA SOBRE MULHERES DE PRESOS.
      QUEM PUDER ENTRAR EM CONTATO COMIGO,AGRADEÇO.
      VERONICA SANTOS

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    2. meu face é veronica lima
      meu email:veronicasantosdesouza@gmail.com

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