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terça-feira, 15 de março de 2011

O amor também mora nas entrelinhas

Essa semana ela me escreveu. Um texto longo, sincero, no qual me contava suas maiores fraquezas, suas culpas. Ela é uma mãe como nós, como tantas de nós, parecida nas delícias e nas dores, encarando o desafio da maternidade.

Ela, casada, na casa dos 30 anos, e mãe de duas crianças de pouco mais de 3 anos, me relatou em um texto muito emocionado, com a coragem de me mostrar seu lado mais cinza, que ainda não se encontrou na maternidade. Assumiu, despindo-se de toda vergonha, que na maioria das vezes é muito enérgica com as crianças, que elas sentem medo da mãe, que chega a ter um bloqueio em acarinhar suas crias.

Sei que parece fácil julgar, mas consigo olhar adiante, consigo sentir a dor dessa mãe, que vive o turbilhão de emoções. O fato de ser agressiva e não conseguir demonstrar o amor que sente por suas filhas pode estar ligado a tantos aspectos: emocionais, sentimentais, históricos. Lendo seu e-mail, vi que ela nunca recebeu carinho de seus pais, buscando na memória, encontrou pais ausentes, que lutavam dia e noite pelo sustento, pouco presentes e nada amorosos.

Hoje, percebo que acaba repetindo, de maneira inconsciente, a forma que aprendeu a criar filhos, pela sua própria história. Mas, vejo também que isso a incomoda e que ela tenta uma mudança, pois não tem dúvidas do amor que sente por suas filhas.

Depois de ler e reler seu relato fiquei pensando que muitas de nós já sentimos, em algum momento da maternidade, esse questionamento. Será? Sim, é claro. Depois que nossos filhos nascem eles nos fazem confrontar com aquilo que tínhamos de mais claro, nossa identidade.

Antes, éramos pessoas individuais, profissionais, namoradas, filhas. Desempenhávamos um papel único no mundo, provendo a nós mesmas. Depois, os filhos vêm para nos fazer entrar em contato com nosso lado cuidador, amoroso, solidário. Sentimentos tão nobres, mas que são difíceis, sim, de serem colocados em prática. Que requerem dedicação, esforço, concessão. E para alguém que nunca se sentiu amada como é possível transmitir amor?

E aí, dessa dualidade de sentimentos, brota algo que nos leva sempre para o fundo: a culpa. "Eu amo meus filhos mais do que tudo na vida, mas não consigo ser tão carinhosa com eles". Quem não entraria em parafuso com essa constatação?

O que eu enxergo também é que tentamos nos encaixar em um padrão, estabelecido por sei lá quem, da mãe perfeita, aquela que depois de ser mãe se tornou a mais santa das criaturas, quase imaculada. Um ideal que não existe pelo simples fato de sermos humanas. Indivíduos complexos, com uma carga emocional impressa e que não se encaixam em segmentações.

Acredito que não cair nesses paradigmas de perfeição já é um caminho e tanto para sofrer menos. Afinal, qual é a medida para amar? Já diz o poeta, em uma frase que gosto muito, que "a medida de amar é amar sem medida". Será que a forma com que essa mãe enxerga a maternidade não está envolta em padrões de perfeição? Porque eu acho, sim, que o amor também se traduz no dia a dia, no banho, no colocar para dormir, no trocar, no pentear, no dar comida. Atos tão simples, que a primeira vista nos parecem tão rotineiros, mas estão carregados de amor. Para mim, isso é carinho, isso é amor, isso é doação.

Que possamos ser mais caridosas conosco, em primeiro lugar, aceitando nossas limitações, tentando entender o porquê de nossas atitudes e valorizando aquilo que temos de bom. Que possamos olhar mais a beleza dos pequenos gestos, pois neles está traduzido o amor, aquele puro, incondicional. Quem é que padronizou que amor tem de ser traduzido em beijo, abraço e "eu te amos" infinitos? Sim, eles são necessários e tem de ser praticados, mas amor é algo mais sutil, mais amplo, também mais rotineiro, porque não?

O meu recado a essa mãe-amiga é que ela tente se cobrar menos e que faça um exercício constante: tente olhar a beleza do dia a dia. Tente se desfazer desse padrão de perfeição e de rótulos que são impostos, muitas vezes por nós mesmas, da receita do amor. Não existe fórmula, não existe padrão. Amor é feito de grão em grão, dia a dia, nas pequenezas da vida.

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